Ao comemorar seus 33 anos, a Secretaria de Política Econômica do Ministério da Fazenda aproveitou para fazer um enfrentamento técnico, mas com tom político, mais direto sobre os questionamentos em torno da política fiscal do governo Lula.
A pasta liderada pelo secretário Guilherme Mello — que foi coordenador do programa econômico de Lula em 2022 — não só apresentou uma nova metodologia para o PIB potencial (a capacidade de crescimento da economia) e para o resultado fiscal estrutural (que ajusta os eventos atípicos e o desempenho da economia para medir o comportamento das contas públicas em determinado período), como também divulgou um novo indicador para medir especificamente qual foi o impulso dado pelos gastos federais na economia: o Impulso Estrutural do Gasto (IEG).
Pelas contas da SPE, depois da política de aceleração nos gastos do início do governo até o primeiro trimestre do ano passado, o movimento tomou outra direção e ficou quatro trimestres no campo contracionista. O pico desse movimento restritivo teria ocorrido nos primeiros três meses (quando o IEG ficou em -1,5% do PIB), ou seja, considerando os seus efeitos diretos e indiretos, os gastos no primeiro trimestre deste ano impactaram negativamente o nível de atividade nessa proporção.
Os números mostram que o nível de restrição está diminuindo ao longo do ano e a política de despesas já voltou a ser estimulativa, ainda que modestamente. O IEG ficou em 0,3% no terceiro trimestre, período que coincide com o pagamento extraordinário de precatórios e com o que o JOTA vinha sinalizando de retomada de uma estratégia mais expansionista em meio à desaceleração do nível de atividade econômica.
Disputa de narrativas explícita
“Qual a história que os dados estão contando? Em primeiro lugar, essa tal gastança, de o gasto impulsionando a economia… Bom, tanto em 2023 quanto em 2024, sim, há um impulso estrutural do gasto positivo, mas ele é menor do que o crescimento do PIB, o que significa que ele não é aceleracionista… Ao contrário. Se o gasto público tivesse um impulso estrutural do gasto, tivesse se alinhado com o crescimento do PIB, digamos assim, com esse nível atual, provavelmente o crescimento do PIB teria sido mais alto do que foi”, afirmou Mello. “Mas mais do que isso, esse impulso estrutural do gasto caiu em 2024 e novamente em 2025, chegando a estar negativo”, completou.
Mello diz que os dados do IEG mostram que a política fiscal atuou em coordenação com a política monetária, a despeito das críticas em contrário.
“Então, não só não se sustenta o discurso de que há uma gastança, que isso tem pressionado positivamente o crescimento e que isso tem obrigado o Banco Central a aumentar a taxa de juros, como os dados mostram uma coordenação entre as políticas. E não uma descoordenação”, salientou. “A gente pode criticar tanto o lado fiscal quanto o lado monetário, apertou demais, apertou de menos, incentivou demais, incentivou de menos, faz parte do jogo. Mas essas evidências são de difícil refutação sobre a trajetória e a coordenação entre as políticas”, completou.
Recado também para o BC
Se o recado mais diretamente mira o pensamento majoritário do mercado financeiro, ainda que sem o dizer, a Fazenda acaba também fazendo um contraponto à visão do Banco Central. Nas atas e comunicados da autoridade monetária, tem sempre sido cobrada uma postura fiscal mais dura, que não estimule a demanda agregada e force o BC a colocar mais peso nos juros.
Mello também faz um enfrentamento político mais amplo ao contestar a tese de que a política fiscal dos governos anteriores ao atual foi mais responsável.
“Cada um conta a história da sua forma, a partir da sua forma de enxergar a economia. Só que tem histórias mais críveis e menos críveis. A história de que a política fiscal entre 2016 e 2022, ou 2016 e 2019 melhorou muito as contas públicas brasileiras e que o novo regime fiscal fracassa em melhorar as contas públicas brasileiras é inverossímil, quando você olha o dado. Ela não casa com as métricas que deveriam ser realmente avaliadas quando você considera a trajetória da política fiscal”, salientou Mello, ironizando economistas que passaram pelo governo no passado e não fazem autocrítica. “O teto de gastos não logrou melhorar o resultado primário”, reforçou.
Política também se faz com estatísticas
Apesar de o debate proposto ser extremamente especializado e dificilmente os dados da SPE venham a mudar a opinião média do mercado e do Banco Central, ao apresentá-los e acoplar um discurso mais político, Mello mostra que também na seara técnica o governo Lula está mostrando suas armas para a disputa em 2026.
Não à toa, ele finaliza a fala dele apontando que propostas que miram cortes de gastos sociais e um ajuste fiscal focado em propostas de redução do salário mínimo e congelamento da tabela do IR, entre outras. Uma estratégia que traz reminiscências da campanha de 2014.
“Dá arrepio quando você ouve falar nesse tipo de ajuste fiscal [com cortes sociais]. O que a gente está tentando fazer agora, e está mostrando que tem tido resultados positivos, é um ajuste fiscal de outra característica. Você tenta preservar as transferências sociais, o investimento público. Isso ajudou a economia a crescer e recompor o resultado fiscal a partir de um controle do ritmo de crescimento”, disse Mello.
E finalizou: “Essa política tem tido o condão de promover um ajuste fiscal, sem desemprego, ao contrário, com a menor taxa de desemprego da história, sem pobreza, ao contrário, com o menor nível de pobreza e miséria da história. Então, sem aumento da desigualdade, ao contrário, o último cálculo que eu vi é o menor da história… Então, é um outro modelo de ajuste fiscal”.
Bem-vindo, 2026, um ano que também será sobre disputa de estatísticas.