Por que a PEC 65 impacta negativamente a regulação financeira

A supervisão do Sistema Financeiro Nacional desempenhada pelo Banco Central, vem, há longo tempo, sendo considerada uma das melhores do mundo. Desde 2012, o Fundo Monetário Internacional e o Banco Mundial, por meio do programa de avaliação do Setor Financeiro (FSAP, na sigla em inglês), consideram a supervisão brasileira como “forte, sofisticada e proativa”.

Segundo relatório do FMI, “a supervisão bancária brasileira foi objeto de avaliação positiva” e “os instrumentos à disposição do Banco Central e sua estrutura de supervisão permitiram ao país ter excelentes notas em matéria de adequação às melhores práticas internacionais, representadas pelos Princípios de Basileia para uma supervisão efetiva, se destacando entre os países do G20”. Esse resultado positivo se repetiu no relatório da última avaliação feita pelos dois organismos internacionais em 2018.

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A Supervisão do Sistema Financeiro integra a regulação e a fiscalização de mais de 1.500 instituições financeiras autorizadas a funcionar no Brasil, englobando bancos, cooperativas de crédito, financeiras, corretoras de câmbio e de valores mobiliários, fintechs, entre outras. Supervisionar um número tão grande de instituições de naturezas tão diversas não é tarefa fácil.

O Sistema Financeiro é grande, sofisticado, organizado, lucrativo e altamente poderoso. Por negociarem a poupança popular, certos tipos de instituições financeiras precisam ser reguladas e fiscalizadas com devido cuidado e rigor. Afinal, crises financeiras podem impactar a economia real. Boa regulação e boa supervisão são essenciais para se evitar crises sistêmicas.

Não foi aleatório o fato de que o Brasil enfrentrou relativamente menos desafios durante a crise financeira de 2008, que assolou economias desenvolvidas. A qualidade do trabalho de regulação prudencial e de fiscalização desempenhados pelo BC foi extremamente relevante para esse resultado.

Ao desempenhar suas tarefas de regulação e fiscalização, servidoras e servidores do Banco Central enfrentam, rotineiramente, interesses privados poderosos e precisam contar com a devida proteção contra interferências externas, para que possam atuar de forma técnica e independente.

Autonomia política não é requisito único para independência da política monetária e da regulação do sistema financeiro. Autonomia em relação ao setor privado também o é. Regulação e supervisão independentes são relevantes para um Sistema Financeiro sólido e eficiente, que assegure a proteção da poupança popular depositada nessas instituições.

A proteção à instituição e a servidoras e servidores do BC é conferida por seu arcabouço institucional vigente. O BC é hoje uma autarquia especial e servidores são regidos pelo Regime Jurídico Único (RJU), que garante sua estabilidade, protegendo-os contra eventuais retaliações derivadas de ações regulatórias ou fiscalizatórias. É essa estabilidade institucional que faz com que servidoras e servidores públicos tenham relativa tranquilidade para desempenhar suas funções, sem se curvarem a eventuais pressões ou ameaças de interesses privados.

Nos últimos anos, o Banco Central vem enfrentando desafios relacionados à falta de pessoal. O BC passou mais de uma década sem autorização para fazer novo concurso público e, quando a obteve, somente pode contratar cerca de 100 novos servidores, quantitativo largamente insuficiente para satisfazer suas necessidades. Outro desafio importante tem sido a escassez de recursos para treinamento e financiamento de novos projetos de interesse regulatório.

Recentemente, essas dificuldades têm sido usadas em discursos públicos para a defesa de uma iniciativa legislativa, a PEC 65/2023. Por meio dessa proposta de emenda à Constituição, seu autor, o senador Vanderlan Cardoso (PSD-GO), propõe que o Banco Central, hoje uma autarquia especial, figura de direito público, seja transformado em uma entidade de direito privado e que seus atuais servidores passem a ser regidos pela CLT.

Muito embora defensores argumentem que a pretendida mudança legislativa contemplará a estabilidade de futuros empregados públicos do pretendido BC de direito privado, o que se terá é uma autarquia jogada num poço repleto de incerteza jurídica.

A proposta, elaborada de forma extremamente sucinta e sem debate público amplo, não aborda (ou aborda de maneira insuficiente) questões fundamentais, como o custeio das despesas da futura entidade de direito privado, ou, até mesmo, o uso das receitas de senhoriagem – questão altamente polêmica, pois são receitas oriundas do monopólio constitucional de emissão de moeda pública. Seriam inúmeros riscos derivados da nova natureza do BC, inclusive aqueles relacionados a direitos e garantias para futuros empregados públicos e para servidoras e servidores inativos.

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Do ponto de vista da supervisão financeira, é difícil crer que qualquer proteção adicional dada a empregados regidos juridicamente pela CLT seja suficiente para blindá-los contra pressões advindas do mercado financeiro.

Hoje, um servidor do BC, concursado, consegue cumprir sua missão de fiscalizar e punir eventuais irregularidades cometidas por instituições financeiras e seus empregados com relativa tranquilidade, ao abrigo da Lei 8.112. Em novo arcabouço, como entidade de direito privado, sem a proteção do RJU, a posição jurídica de reguladores e fiscais do BC se tornará bastante precária.

As pressões sofridas pelo BC são reais. Urge que o BC seja fortalecido em sua capacidade institucional de fiscalização e regulação, além de prover novos projetos para a sociedade brasileira, a exemplo do Pix. No entanto, não será transformando-o em entidade de direito privado, tampouco precarizando o regime de trabalho de servidoras e servidores, que esses objetivos serão atingidos.

Há diferentes soluções para problemas orçamentários que o BC enfrenta. Elas não implicam o desmonte de sua estrutura jurídica, que funciona bem há décadas. O Banco Central é patrimônio público do Brasil e seu desmonte é um preço que a sociedade brasileira não tem como, e não deve, pagar.

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