Banco Master e o misterioso caso do sumiço dos autos

A Constituição de 1988 consagrou a publicidade como regra no Judiciário. O artigo 93 determina que os julgamentos sejam públicos e que as decisões sejam fundamentadas, admitindo sigilo apenas em hipóteses limitadas e justificadas.

O Regimento Interno do Supremo reforça essa lógica. O relator pode restringir o acesso aos autos em situações específicas, como dados sensíveis, diligências em curso ou proteção de menores. Mesmo assim, a tradição da Corte é manter o processo identificado no sistema, ainda que com documentos sob sigilo. A retirada completa dos autos da consulta pública não faz parte da cultura institucional construída desde 1988.

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A decisão que impôs segredo absoluto no caso relacionado ao Banco Master rompe esse padrão. Não julgo o mérito da causa nem seus personagens. E agora, mesmo se quisesse, não conseguiria. Processos de intervenção ou liquidação bancária raramente chegam ao STF. Quando chegam, permanecem visíveis, mesmo que parcialmente sigilosos. O que ocorreu agora é incomum. O processo não aparece mais nos sistemas, e o acesso está limitado às partes e a seus advogados. É uma medida que, na prática constitucional do Supremo, quase não encontra paralelo.

Parte da opinião pública sugeriu que o sigilo teria relação com o fato de a esposa do ministro integrar um escritório que já atuou para empresas ligadas ao grupo Master. Se essa for a hipótese, ela não se sustenta juridicamente. O próprio STF já decidiu, certo ou errado, que a participação de parentes de ministros em grandes bancas não gera impedimento automático, não caracteriza irregularidade e não autoriza segredo de justiça. A resposta institucional sempre foi a transparência, com ajustes pontuais quando necessário. Não faria sentido criar um sigilo absoluto para lidar com uma situação que a própria Corte já considerou legítima.

Tampouco seria justificável impor segredo em razão de eventuais agentes públicos entre os envolvidos. Ao contrário do que se poderia supor, a presença de autoridades aumenta o interesse público no esclarecimento dos fatos. A jurisprudência é unânime no sentido de que atos estatais exigem publicidade, e não recolhimento. Sigilo, nesse contexto, seria uma exceção ainda mais difícil de explicar.

O problema é que medidas desse tipo, mesmo quando justificáveis, produzem efeitos indesejados. Num sistema que depende da confiança social para funcionar, decisões assim acabam chamando mais atenção que o próprio conteúdo da causa, acabam exigindo mais explicação do que o segredo que pretendem preservar.

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Se nenhuma das hipóteses tradicionais de sigilo se sustenta, restam apenas duas possibilidades. A primeira é a mais desconcertante. O ministro teria decidido impor sigilo absoluto sem justificativa legal, assumindo voluntariamente um desgaste institucional previsível. Seria uma escolha difícil de compreender, até porque a própria Corte já enfrentou situações muito mais sensíveis sem recorrer a esse expediente extremo.

A segunda hipótese é mais plausível e encontra respaldo jurídico expresso. A Lei 12.850 de 2013, que disciplina a colaboração premiada, permite o sigilo integral do acordo e dos depoimentos enquanto houver tratativas, homologação ou necessidade de preservar diligências. O sigilo, porém, recai sobre o conteúdo sensível da colaboração em si, e não necessariamente sobre a própria existência processual. Ainda assim, é a única base normativa capaz de justificar, em tese, o grau de opacidade adotado.

Em qualquer dos cenários, as consequências são graves e ultrapassam em muito os limites do que se conhece do caso Master. O episódio projeta sombras sobre a transparência judicial, alimenta narrativas especulativas e fragiliza a confiança institucional.

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