O jornal Folha de S.Paulo ingressou, no último dia 22 de agosto, com ação judicial contra a OpenAI, empresa desenvolvedora do ChatGPT, alegando violação de direitos autorais e concorrência desleal. Embora o processo tenha origem em um veículo jornalístico, o debate extrapola o setor da imprensa.
O caso evidencia que as violações de direitos autorais decorrentes do uso indevido de obras para treinamento de inteligência artificial atingem toda a indústria de criação, afetando diferentes players desse mercado.
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O jornal sustenta que suas reportagens vêm sendo utilizadas, sem autorização ou remuneração, para o treinamento de modelos de inteligência artificial que, posteriormente, reproduzem informações sem direcionar o público para o veículo de origem.
Na perspectiva da Folha, essa prática não apenas compromete a exploração econômica de seu conteúdo, ao reduzir o tráfego em suas plataformas e fragilizar a sustentabilidade do modelo de negócios baseado em assinaturas e publicidade, como também contraria a própria finalidade da legislação autoral brasileira, que é assegurar a justa remuneração e a proteção da autoria das criações intelectuais.
Do ponto de vista jurídico, a discussão central envolve a proteção de obras jornalísticas como bens intelectuais, conforme previsto pela Lei de Direitos Autorais brasileira. O uso de tais obras para treinar modelos de IA, sem licenciamento prévio, pode configurar infração aos direitos patrimoniais de autor, que asseguram ao titular a exclusividade na utilização e exploração econômica do conteúdo. O jornal também aponta que o ChatGPT acessa e até mesmo reproduz parte do conteúdo de matérias da Folha, violando barreiras de paywall, o que seria uma violação direta dos seus direitos autorais.
Além disso, a Folha sustenta que a Open IA, ao se valer de material produzido por veículos de imprensa para oferecer informações ao público de maneira substitutiva, incorre em ato de concorrência desleal, nos termos da Lei de Propriedade Industrial, obtendo vantagem competitiva indevida frente às empresas jornalísticas.
Casos semelhantes já ganharam repercussão internacional. Nos Estados Unidos, o The New York Times ajuizou ação contra a OpenAI e a Microsoft alegando uso não autorizado de milhões de artigos em treinamentos de IA, com pedidos de indenização e a imposição de restrições ao uso do material jornalístico. A disputa norte-americana, portanto, segue uma linha litigiosa semelhante à adotada pela Folha e ainda não possui decisão final.
Nos Estados Unidos, observou-se uma solução baseada em negociação: em julho de 2025, a Amazon firmou acordo com o New York Times, comprometendo-se a pagar entre US$ 20 milhões e US$ 25 milhões anuais pelo uso de trechos de reportagens no treinamento de seus sistemas de inteligência artificial.
Apesar das diferenças e especificidades de cada contexto, esse caso evidencia uma alternativa de licenciamento remunerado que, embora ainda inédita no Brasil, pode servir como referência para futuras negociações entre empresas de tecnologia e veículos de mídia nacionais, equilibrando inovação e proteção da propriedade intelectual.
Músicos, roteiristas, produtores audiovisuais e demais criadores de conteúdo enfrentam desafios semelhantes, uma vez que suas obras também vêm sendo utilizadas como insumo para o desenvolvimento de sistemas de IA generativa.
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O caso da Folha contra a OpenAI, portanto, insere-se em um contexto mais amplo de redefinição das fronteiras entre inovação tecnológica e proteção da propriedade intelectual. A depender de seus desdobramentos, poderá contribuir para a construção de critérios e parâmetros jurídicos mais sólidos no Brasil sobre o uso de obras protegidas em treinamentos de inteligência artificial, seja pela via judicial, seja pela adoção de modelos de licenciamento focados na parceria entre as partes e com foco no avanço tecnológico e a justa remuneração dos criadores.
O processo judicial tramita no Tribunal de Justiça de São Paulo com o número 1107237-96.2025.8.26.0100.