O Tribunal Superior do Trabalho (TST) está prestes a decidir uma controvérsia que impacta diretamente a gestão de pessoas nas empresas: o chamado Tema 210, que discute se cargos de confiança exigem ou não subordinados diretos para dispensar o controle de jornada.
Como o julgamento foi incluído na sistemática dos recursos repetitivos, a tese fixada terá efeito vinculante e deverá ser aplicada pelos tribunais em centenas de processos semelhantes. Trata-se de uma oportunidade promissora de reconciliação entre a lei e as novas dinâmicas organizacionais.
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A CLT prevê, no artigo 62, inciso II, que empregados que exerçam cargos de gestão não estão sujeitos ao controle de jornada (como ponto eletrônico) ou pagamento de horas extras. A própria lei completa que, no entanto, será aplicável o controle de jornada aos cargos de confiança cujo salário, acrescido da gratificação de função (se houver), seja inferior ao valor do respectivo salário efetivo acrescido de 40%.
Vago, o texto legal não estabelece critérios objetivos para definição do que seja, efetivamente, “gestão” e de como esse valor adicional de 40% deve ser calculado em uma série de casos. Com isso, a jurisprudência passou a desenvolver requisitos adicionais, entre eles: poder de mando, autonomia decisória, pagamento de gratificação de função destacada e, especialmente, a existência de subordinados diretos.
Esse último critério tornou-se, na prática, um divisor de águas entre profissionais técnicos e gestores efetivos. Contudo, com o avanço das estruturas organizacionais horizontais e transversais, essa exigência vem sendo crescentemente questionada. Em muitas empresas, funções estratégicas são exercidas por profissionais sem equipe subordinada, mas com grande poder de decisão e impacto sobre os rumos do negócio. É o caso, por exemplo, de controllers, heads de compliance ou líderes de áreas regulatórias, cujas decisões têm alto grau de exposição e responsabilidade, mesmo sem estrutura hierárquica sob seu comando.
Ao julgar o Tema 210, o TST terá a oportunidade de avaliar se a ausência de subordinados diretos, por si só, descaracteriza o cargo de confiança. Embora exista o risco de banalização da figura do gestor, é preciso reconhecer que a configuração da relação de confiança qualificada (fidúcia especial) não se limita à presença formal de liderados. O contexto atual exige uma leitura mais compatível com a diversidade das estruturas empresariais contemporâneas.
Para além da questão de possuir ou não subordinados, atualmente, embora não haja uniformização sobre o tema, algumas tendências norteiam as recomendações para que as empresas adotem práticas preventivas. São esses os pontos para os quais o TST deve olhar no julgamento.
Para começar, é relevante atentar para casos de promoções internas, movimentações laterais ou contratações externas, situações em que é fundamental ter em conta as atribuições, a autonomia e a posição do profissional na estrutura organizacional, e formalizar isto de forma clara e adequada.
Outro ponto é o pagamento de gratificação de função, que continua a ser um elemento importante para demonstrar o caráter diferenciado, especialmente se pago em rubrica separada do salário contratual. Sobre esse aspecto, hoje há a orientação, quando possível, de que haja a separação clara entre o salário do cargo efetivo e a gratificação de função. Na contratação direta para cargos de confiança, é recomendável que o padrão salarial adotado guarde coerência também com o de outros gestores da empresa, para evitar alegações de artificialidade no enquadramento funcional.
Merece atenção ainda o caso dos empregados hipersuficientes: aqueles com diploma de nível superior e remuneração superior a duas vezes o teto do INSS. A CLT prevê maior liberdade contratual para esse grupo, e não é infundado admitir, nesses casos, a validade de cláusulas que reconheçam a dispensa de controle de jornada. Em outras palavras, trabalhadores hipersuficientes que se reconheçam como ocupantes de cargos de confiança e, portanto, isentos de controle de jornada – assunto sobre o qual inexiste jurisprudência trabalhista.
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Como pano de fundo de toda essa discussão, permanece a premissa de que o título de gestor, por si só, não basta para caracterizar o exercício de um cargo de confiança — assim como a ausência de subordinados diretos não deve ser, isoladamente, fator de descaracterização. Espera-se que o TST, ao uniformizar o entendimento, reforce a primazia da realidade sobre as formalidades contratuais.
O julgamento em curso representa uma oportunidade relevante para alinhar a interpretação da legislação trabalhista às transformações das estruturas corporativas. A jurisprudência pode — e deve — evoluir para reconhecer que a confiança, no contexto da gestão moderna, nem sempre se traduz por organogramas verticais ou relações de comando convencionais.