Cinco anos do Marco Legal do Saneamento: transformação em curso

Há cinco anos, vivíamos o auge da pandemia de Covid-19. As pessoas estavam assustadas, o uso de máscaras havia se tornado rotina e lavar as mãos era questão de sobrevivência. Nesse contexto, milhões de brasileiros sem acesso à água tratada enfrentaram o dilema mais básico: como se proteger sem água limpa na torneira?

No dia 15 de julho de 2020, participei da cerimônia de sanção do Marco Legal do Saneamento. Representando a Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico (ANA), onde atuava como presidente, testemunhei a entrada em vigor de uma legislação que colocava metas claras no papel, promovia concorrência regulada e atribuía à ANA a missão inédita de construir as normas de referência para um setor com enorme déficit histórico.

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Hoje, cinco anos depois, do outro lado dessa jornada — como diretora-executiva da ABCON SINDCON, que reúne as operadoras privadas de saneamento no país — posso afirmar que o marco legal deixou de ser promessa. É política pública em execução, com impacto na vida das pessoas, no ambiente regulatório e no modelo de prestação de serviços no Brasil.

De 2020 a 2025, foram realizados 59 leilões em 20 estados, abrangendo todas as regiões do país, mobilizando R$ 178 bilhões em investimentos contratados. O número de municípios com presença privada saltou de 291 para 1.793, um crescimento de 516%. Além disso, 27 projetos — sendo 18 municipais e 9 regionais — estão em fase de estruturação, com potencial de gerar mais R$ 76,7 bilhões em investimentos e contemplar outros 966 municípios brasileiros.

Todos os contratos firmados a partir do novo marco preveem a universalização do abastecimento de água e esgoto— agora com metas legais, prazos definidos e mecanismos objetivos de cobrança.

Estamos diante de um novo ciclo de leilões estruturado com metas robustas e foco em resultados. O ambiente de negócios amadureceu, os instrumentos regulatórios evoluíram, e há maior segurança jurídica para sustentar projetos de longo prazo. Os efeitos já são mensuráveis: 22 milhões de brasileiros passaram a ter acesso a água e/ou esgoto tratados por operadoras privadas desde a aprovação do marco.

Em Rio das Ostras (RJ), moradores que antes não tinham água agora contam com abastecimento regular nas torneiras, graças à atuação da Águas do Rio. Em 20 municípios de São Paulo, famílias de baixa renda passaram a receber desconto de quase 80% na conta de água, por meio da tarifa social e da tarifa vulnerável, implementadas após a entrada da Sabesp no modelo de capital misto.

Em Cuiabá (MT), a concessionária Iguá antecipou a universalização do esgoto e já trata 91% dos efluentes, retirando 14 toneladas por dia de carga orgânica dos rios. Em Itaguatins (TO), a Norte Saneamento levou água potável a 100% das residências em apenas dois anos de operação.

A expansão tem recorte social. Dados da ABCON SINDCON mostram que o acesso à água por rede cresceu 2,3 pontos percentuais entre domicílios com renda per capita de até meio salário-mínimo, quase cinco vezes mais que a média nacional. No esgoto, o avanço nesse grupo foi de 5,7 pontos percentuais — o triplo da média geral. São resultados que indicam um avanço mais acelerado justamente nas camadas mais vulneráveis da população.

Outro indicador relevante é a tarifa social. Hoje, 4,12 milhões de famílias são beneficiadas, um aumento de 60% desde 2019. Nas áreas operadas por concessionárias privadas, 8,5% das economias residenciais ativas contam com o benefício — uma demonstração de que é possível combinar sustentabilidade financeira com políticas públicas inclusivas.

Mais do que investimento, o marco promoveu uma revolução institucional silenciosa: 68% dos municípios já têm contratos com metas explícitas de universalização. Houve aumento de 60% dos municípios com planos municipais de saneamento. A regionalização — decisiva para viabilizar cidades pequenas — foi formalizada na maioria dos estados.

O Nordeste é um exemplo claro do efeito transformador dessa estrutura institucional. A região registrou o maior crescimento percentual do país em planejamento municipal: o número de municípios com Plano Municipal de Saneamento Básico (PMSB) cresceu 153%, saltando de 307 em 2019 para 778 em 2023. A ampliação da cobertura do planejamento municipal não apenas reforça a capacidade local de atrair investimentos, como também garante mais transparência e prioridade ao tema no orçamento público.

A ideia de que o setor privado só opera onde é rentável não reflete a realidade. O que temos visto é compromisso com planejamento, metas claras e resultados concretos. Os contratos firmados incluem cláusulas de investimento social, indicadores de desempenho, incentivos para redução de perdas, ampliação de cobertura e mecanismos de prestação de contas. A padronização contratual e a atuação coordenada com os reguladores têm sido fundamentais para garantir qualidade e previsibilidade na execução dos serviços.

Há desafios importantes em curso. A consolidação da prestação regionalizada, o fortalecimento da ANA como reguladora de referência e a estabilidade jurídica são pontos de atenção. Também é preciso avançar em dados padronizados e sistemas confiáveis de informação, para que os avanços sejam monitorados com precisão e correções de rota possam ser feitas em tempo real.

Mas o saldo é inequívoco: o saneamento deixou de ser periférico nas políticas públicas e entrou no campo da infraestrutura essencial ao desenvolvimento. Com o marco legal, o Brasil finalmente definiu um caminho claro, com metas e governança, para um dos setores mais atrasados do país.

A transformação começou em meio a uma crise sanitária global. E seguirá avançando — com planejamento, regulação forte, investimento de longo prazo e foco no que realmente importa: garantir água e esgoto para todos os brasileiros, sem exceção.

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