Rejeição ao artigo 19 atinge ecossistema de inovação

O julgamento sobre o artigo 19 do Marco Civil da Internet pelo Supremo Tribunal Federal (STF) merece atenção redobrada, porque os efeitos podem ir muito além das grandes plataformas digitais. A decisão do STF, de declarar o dispositivo inconstitucional, afeta o ecossistema de inovação, o ambiente regulatório e a liberdade de expressão online no país.

O artigo 19 protege a liberdade de expressão com mediação judicial. Ele estabelece que provedores de aplicação só podem ser responsabilizados por conteúdos gerados por terceiros caso descumpram uma ordem judicial específica de remoção. Essa regra surgiu após um processo legislativo transparente, participativo e equilibrado, aprovado pelo Congresso Nacional em 2014.

Conheça o JOTA PRO Poder, plataforma de monitoramento que oferece transparência e previsibilidade para empresas

Por isso, a tese de que o STF precisa agir por “omissão legislativa” é falha. Há uma escolha política clara, construída a partir de um consenso plural sobre a importância de preservar a liberdade de expressão e evitar que plataformas privadas passem a decidir, sozinhas, o que pode ou não circular na rede.

Os ministros do STF, que consideram o artigo 19 inconstitucional, defendem propostas que vão do modelo europeu notice and takedown (notifique e remova) ao da responsabilização objetiva. Assim, no Brasil, a simples notificação poderia gerar responsabilização das plataformas, mesmo sem ordem judicial.

O jurista Marcel Leonardi, em levantamento recente, mostrou 100 casos reais em que o próprio Judiciário negou pedidos de remoção de conteúdo por entender que não havia ilicitude. Isso demonstra o grau de subjetividade e complexidade envolvido. Se até os tribunais divergem sobre o que deve ou não ser retirado, como esperar que uma plataforma digital tome decisões instantâneas sob pena de ser responsabilizada?

Mais grave: a rejeição do artigo 19 não atinge apenas as chamadas big techs. Qualquer site, fórum, blog ou veículo com seção de comentários pode ser enquadrado como provedor de aplicação. Isso inclui negócios locais, portais independentes, ferramentas de mobilização social e centenas de startups que hoje operam com recursos limitados e não têm estrutura para lidar com o volume de notificações e pedidos de retirada. O resultado será uma onda de autocensura preventiva, que sufocará a inovação e a crítica legítima.

Ao contrário do que se afirma, o artigo 19 não impede a responsabilização de plataformas que impulsionam, recomendam ou monetizam conteúdos ilícitos. Nesses casos, elas respondem por seus próprios atos. Mas imputar responsabilidade automática por tudo que terceiros publicam significa empurrar empresas à remoção generalizada de conteúdo por medo, e não por justiça.

A atualização do Marco Civil pode ser necessária, especialmente diante de desafios trazidos pela inteligência artificial, pelas deepfakes e pela desinformação em escala. Mas isso deve ocorrer pelo caminho legítimo: o Legislativo, com debate público, transparência e participação de quem vive e constrói o ecossistema digital brasileiro.

Desconstruir o artigo 19 por decisão judicial é um atalho perigoso. Não nos aproxima de um ambiente digital mais seguro, apenas mais concentrado, opaco e inibidor. A internet brasileira precisa de regulação, sim. Mas precisa, antes de tudo, de estabilidade institucional e respeito às escolhas democráticas.

Generated by Feedzy