‘OAB que se dane’, diz juíza, ao mandar PM retirar advogados de prerrogativas de sessão

A “OAB que se dane”, disse a juíza Mônica Cataria Perri Siqueira, da 1ª Vara Criminal de Cuiabá, durante uma discussão com um advogado na segunda-feira (15/12) e mandou a Polícia Militar (PM) retirar os advogados da comissão de Prerrogativas da Ordem dos Advogados do Brasil de Mato Grosso (OAB-MT) do plenário no Fórum de Cuiabá.

A discussão aconteceu no julgamento pelo Tribunal do Júri de Mário Wilson Vieira da Silva Gonçalves, investigador da Polícia Civil acusado de matar a tiros o  PM Thiago de Souza Ruiz em abril de 2023.

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Em um vídeo circulado nas redes sociais, é possível ver a juíza dizendo “pode até chamar o presidente da OAB”, após o advogado pedir que ela reconsiderasse a retirada dos representantes da entidade da sala.

Segundo uma nota publicada pelo Tribunal de Justiça de Mato Grosso (TJMT) nesta terça-feira (16/12), os advogados estavam gravando os jurados do Tribunal do Júri — algo que é explicitamente vedado por resolução do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e pela jurisprudência. A imagem e a identidade dos jurados são protegidos para garantir a independência do veredito e a sua segurança pessoal.

O  promotor de Justiça Rodrigo Ribeiro Domingues, do Ministério Público do Estado de Mato Grosso (MPMT), afirma que a juíza estava sendo desrespeitada e os jurados estavam sendo conduzidos.

Domingues diz que pediu para ser incluído na ata do julgamento que a banca de defesa tentava induzir as testemunhas, falava em tom excessivamente alto e agressivo, não respeitava as ordens da juíza e não respeitava o fato da juíza ser uma mulher. A ata não foi assinada pela defesa.

O advogado Claudio Dalledone, que lidera a defesa, afirmou em um vídeo no Instagram que o tenente-coronel da PM tentou apaziguar a situação e que, antes que os advogados fossem retirados, a juíza Siqueira interrompeu a sessão.

Os advogados disseram que tinham chamado representantes da OAB após terem as prerrogativas de função violadas pela juíza durante inquirição de uma testemunha.

O JOTA teve acesso a áudios da sessão em que é possível ouvir o advogado de defesa Renan Canto gritar com a magistrada. Em seguida é possível ouvir outra voz masculina responder “misógino, misógino”.

Na terça-feira (16/12) o julgamento foi retomado, mas o Conselho de Sentença foi dissolvido pela juíza, que afirmou que os jurados poderiam ser influenciados pela discussão que presenciaram no dia anterior. Isso levou à anulação do julgamento — um novo julgamento com novos jurados será iniciado nesta quarta-feira  (17/12).

O TJMT emitiu uma nota nesta terça afirmando que “acusação e defesa se desentenderam e a magistrada precisou intervir”.

Segundo o TJMT, a magistrada “exortou aos advogados que não gravem a audiência, em especial os jurados, o que foi um dos motivos para a dissolução do Conselho de Sentença” e pediu que “os advogados mantenham a urbanidade e o respeito para boa condução dos trabalhos”.

O procurador nacional de Defesa das Prerrogativas da OAB, Alex Sarkis, publicou um vídeo afirmando que o episódio é “grave, inaceitável e afronta diretamente a Constituição, o devido processo legal e a advocacia brasileira”.

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“Prerrogativas da advocacia não são privilégios — são garantias do cidadão”, disse ele. Sarkis afirmou que a juíza “passou a conduzir o julgamento de forma hostil à defesa, violando as prerrogativas da advocacia”.

Ele disse ainda que o “Conselho Federal da OAB, sob a liderança do presidente Beto Simonetti, sua diretoria e todo o Sistema Nacional de Defesa das Prerrogativas, adotarão todas as providências cabíveis para que condutas como essa não se repitam”.

Histórico

Esta não é a primeira vez que Claudio Dalledone se envolve em um episódio polêmico.

Em 2018, ele foi gravado durante um Tribunal do Júri em Curitiba dizendo a uma promotora que ela não precisava “vir da Bahia para querer botar ordem neste estado”. Em outros trechos, disse que sua atitude no julgamento era “coisa de sua banda”, “coisa de sua terra”, “aqui não é sertão; aqui não é cangaço” e “isso é balela, discursinho do sertão”.

Em entrevista ao JOTA na época, Dalledone afirmou que a promotora foi quem começou a “regionalizar” o debate, e que ele apenas agiu dentro do Tribunal do Júri para defender seu cliente.

O JOTA procurou o advogado nesta terça (16/12) para falar sobre a discussão em Cuiabá, mas não teve retorno até a publicação desta reportagem.

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