O uso de câmera corporal suscita reações contrárias e favoráveis no cotidiano da Polícia Militar. Os contrários alegam que seu uso inibe a força policial e distorce a realidade de uma operação. Para os a favor, há o argumento de ser um elemento de fiscalização da conduta do policial e, por isso, há a possibilidade de punição por eventuais excessos injustificados ou mau uso do equipamento.
Em alguns estados há resistência e controvérsia sobre seu uso, a ponto de o Supremo Tribunal Federal decidir e determinar os critérios para sua utilização ao analisar a suspensão da Liminar 1.696 apresentada pela Defensoria do Estado de São Paulo, fruto de um acordo entre as partes que prevê o aumento de câmeras corporais em 25%, totalizando 15 mil equipamentos. Além disso, serão alocados 80% do total das câmeras para cobrir as unidades de alta e média prioridade.
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O uso das câmeras surgiu pelas seguidas suspeitas e reclamações de que as forças policiais desviariam suas finalidades de proteção e segurança da ordem, para aplicação de violência indiscriminada, corrupção, chantagem, dentre outras práticas delitivas.
Não por acaso, a imprensa já flagrou, por várias ocasiões, policiais que desligam o equipamento para uma operação, ou pior, mostram desvio de função e atos contrários ao cargo devidamente registrados pelas câmeras corporais.
O debate sobre o tema é ainda mais necessário com o aumento da letalidade policial, como por exemplo São Paulo, que registrou um aumento de 60% em 2024, se comparado ao ano anterior, segundo o Anuário Brasileiro de Segurança Pública 2025.
Na mesma esteira temos a adoção de câmeras corporais pela Polícia Municipal em alguns municípios, como o Rio de Janeiro. E qual a relevância se não há notícias de qualquer punição em virtude de registro das câmeras? Eis a novidade, pois não havia. Afinal, a Justiça Militar condenou pela primeira vez um policial militar pelo mau uso da câmera corporal.
O cabo Thiago Durade Martins, do 33º BPM (Angra dos Reis), retirou três vezes as câmeras corporais em três abordagens contra suspeitos de tráfico de drogas. Ele foi condenado a um ano e dois meses de detenção por manipulação criminosa do equipamento, inclusive para o recebimento de propina.
Não é um caso isolado, afinal, desde 2024, o Ministério Público que atua junto à Auditoria da Justiça Militar já ofereceu 15 denúncias contra 44 policiais por essa mesma prática.
O uso das câmeras corporais objetivam a transparência das ações cotidianas dos agentes e policiais, além da verificação, dentre outras, do estado emocional, psicológico e físico deles. Na mesma esteira, o governo federal lançou o programa Município Mais Seguro, com o investimento de R$ 171 milhões através do Fundo Nacional de Segurança Pública.
O programa busca capacitar e treinar os agentes da Polícia Municipal. E qual a conexão? Dentre as requisições interpostas no Judiciário estão o uso das câmeras corporais pelos agentes. Inclusive, o Ministério Público do Estado de São Paulo abriu um inquérito civil contra a Secretaria Municipal de Segurança Urbana e a Guarda Civil Metropolitana para cobrar a implantação do programa de uso de câmeras corporais por agentes da corporação.
Com isso, uma ação se coaduna com a outra. Os agentes da Polícia Municipal não tiveram o treinamento e a capacitação adequados para o uso de armas letais, confronto com criminosos, situações de risco ou policiamento ostensivo, em especial para os que lá estavam quando havia a proibição dessas funções, antes das mudanças decorrentes da decisão do Recurso Extraordinário 608588, com repercussão geral julgado pelo STF. Logo, problemas de saúde mental são uma preocupação real, como destacou o secretário Nacional de Segurança Pública, Mario Sarrubbo.
Apreensão e cuidado com os agentes e policiais, mas também com a população: é por isso que a implantação das câmeras corporais para a Polícia Municipal se faz premente. Agora, o urgente não é sua adoção, mas sim, a responsabilização daqueles que usam indevidamente o equipamento.
A justiça tem o dever de julgar e punir aqueles que não honram a farda. Sem a devida sanção os policiais militares ou municipais corruptos, violentos e que não agem em conformidade com as regras da corporação terão a sensação de impunidade e continuarão a perpetrar seus desvios.
Essa primeira condenação foi um marco, ainda mais no estado do Rio de Janeiro, em que os problemas cotidianos com facções criminosas e milícias são recorrentes. O uso das câmeras corporais nas forças policiais deve ser uma realidade sem possibilidade de retrocesso. É o caminho na direção da lisura, da transparência e na confiança de que o cidadão será efetivamente protegido e que os maus policiais serão punidos, desligados e condenados.
É o curso para a mudança de paradigma da segurança pública brasileira. Os desafios se avolumam e um deles é localizar e punir os que usam da farda para também praticar crimes.