A aprovação da reforma tributária legitimou-se pela promessa de institucionalização de um sistema tributário mais simples, eficiente e equilibrado, o que tem sido um desafio contínuo para o Poder Legislativo, nos trâmites de sua regulamentação. Apesar da aprovação e publicação da Lei Complementar 214/2025 e dos avanços do PLP 108/24, parece que as discussões tributárias que assolam o sistema brasileiro ainda estão distantes de seu fim.
Um exemplo de um potencial – e desnecessário – tema a ser objeto de litígio futuro diz respeito às previsões das sanções pelo descumprimento de obrigações acessórias relacionadas ao IBS e CBS. Isso, porque as regras que estabelecem essas penalidades, as quais já foram aprovadas na Câmara dos Deputados e mantidas no texto aprovado pela CCJ do Senado para o PLP 108/24, podem acabar perpetuando a insegurança jurídica atual que, em tese, deveria ser minada, ou ao menos, reduzida pela reforma tributária.
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As multas por descumprimento das obrigações acessórias, inicialmente aprovadas pela Câmara dos Deputados, foram estabelecidas em montantes variados, que podem corresponder a valores fixos, percentuais de até 50% do tributo ou, pior, percentuais de até 30% do valor da própria operação. Nota-se, no entanto, que fora previsto um teto para tais multas, limitadas a 100% do tributo.
No relatório do PLP 108/24, apresentado pelo relator, senador Eduardo Braga (MDB-AM), e aprovado pelo Senado, algumas das hipóteses de descumprimento passaram a ter sanções de 100% do valor do tributo – como as previstas no art. 341-G, XI e XVI, que decorrem da ausência de emissão de documento fiscal, ou a emissão em desconformidade.
Mais do que isso, as penalidades passaram ser majoradas em 50% no caso de reincidência, hipótese em que em alguns casos podem alcançar o patamar de 150% do tributo de referência (IBS ou CBS), tendo sido excluída a regra que limitava o valor dessas multas.
Ocorre que o modelo punitivo do projeto, em sua redação aprovada pelo Senado, está na contramão de precedentes do Supremo Tribunal Federal, que, historicamente, vem sendo evocado para avaliar a constitucionalidade de multas tributárias desproporcionais e com caráter confiscatório.
O STF tem firmado entendimento, por meio da sistemática da repercussão geral e com fundamento no princípio da proporcionalidade, no sentido de afastar a aplicação de multas tributárias consideradas excessivas e lesivas ao contribuinte.
Como exemplo, pode-se citar o Tema 214 (RE 882.461/MG), em que o STF entendeu ser desproporcional multa moratória de 40%, reduzindo-a para 20%. Já no RE 754.554/GO, o tribunal considerou confiscatória a multa de 25% sobre o valor da operação em razão da não emissão, ou emissão com valor incorreto, de documento fiscal.
Já na ADI 551/RJ, o STF declarou inconstitucional a previsão da Constituição Estadual do Rio de Janeiro que previa multa mínima de 200% do valor do tributo pelo não recolhimento de tributos, também por configurar efeito confiscatório.
Até mesmo no caso de multas qualificadas, aplicadas em hipóteses de sonegação, fraude ou conluio, o STF já se manifestou no Tema 863 da repercussão geral, entendendo como irrazoável a multa de 150%, por violação à vedação constitucional ao confisco.
Nessa mesma linha, aguarda-se o julgamento o Tema 487, cujo leading case (RE 640.452/RO) discute a constitucionalidade de multa isolada de 40% sobre o valor de operação imposta em razão do descumprimento de obrigação acessória, ainda que inexistente crédito tributário constituído.
O processo, sob a relatoria do ministro Luís Roberto Barroso, que já teve seu julgamento iniciado em plenário físico, conta com votos contrários à penalidade desproporcional, propondo, ainda, tese restritiva à aplicação das multas isoladas. Sob a análise do relator – acompanhado pelo ministro Edson Fachin – propõe-se a fixação da tese de que tais multas não podem exceder 20% do valor do tributo devido, quando houver obrigação principal vinculada.
Mesmo nos votos divergentes dos ministros Dias Toffoli e Cristiano Zanin, propõe-se um teto de 60% do valor do tributo ou do crédito vinculado, podendo chegar a, no máximo, 100% no caso de existência de circunstâncias agravantes.
Ou seja, caso se confirme a fixação de um teto constitucional para as multas isoladas tributárias – seja ele de 20% ou 60%, o segundo projeto de lei de regulamentação da reforma tributária, mesmo após diversas emendas apresentadas pelos senadores, corre o risco de já nascer inconstitucional.
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A manutenção da atual redação – que ainda deve passar por revisão da Câmara – certamente levará a novas discussões sobre a desproporcionalidade das sanções aplicáveis aos contribuintes do IBS e CBS.
No momento, resta-nos aguardar o posicionamento do STF, que estabelecerá o limite constitucional das multas isoladas por descumprimento de obrigações acessórias, e confiar na incorporação do entendimento pelo legislativo, que caso contrário, se abrirá caminho para mais uma rodada de litígios tributários sobre um sistema que ainda nem deu seus primeiros passos.