A AGU na Constituinte de 1987-1988: uma introdução

A Advocacia-Geral da União (AGU), tal como a conhecemos hoje, foi concebida durante um dos períodos mais intensos de formulação institucional da história brasileira: a Assembleia Nacional Constituinte de 1987-1988.

Em meio à reconstrução democrática, os constituintes enfrentaram o desafio de estruturar o serviço jurídico federal, considerando experiências nos âmbitos federal e estadual, além da necessidade de consolidar uma advocacia pública coesa.

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Esta série de artigos, que se inicia por esta introdução, busca lançar luz sobre os debates constituintes que moldaram a AGU, resgatando registros históricos que influenciaram a redação final do art. 131 da Constituição de 1988 e do art. 29 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT).

Inovando na organização do Estado, a Constituição vigente conferiu à AGU a condição de Função Essencial à Justiça, ao lado do Ministério Público, da Defensoria Pública e da Advocacia em geral. O art. 131 define a AGU como a instituição que, diretamente ou por meio de órgão vinculado, representa a União judicial e extrajudicialmente, cabendo-lhe ainda, nos termos de lei complementar que disponha sobre sua organização e funcionamento, prestar consultoria e assessoramento jurídicos ao Poder Executivo federal.

O art. 29 do ADCT, por sua vez, previu uma etapa de transição, determinando que, até a entrada em vigor da lei complementar que organizasse a AGU, continuariam a exercer suas atividades na área das respectivas atribuições a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional, as Consultorias Jurídicas dos Ministérios, as Procuradorias e Departamentos Jurídicos de autarquias federais com representação própria e os membros das Procuradorias das Universidades fundacionais públicas.

Essa norma — a Lei Complementar 73, de 10 de fevereiro de 1993, conhecida como Lei Orgânica da AGU (LOAGU) — foi editada cinco anos após a promulgação da Constituição.

Ela estruturou a instituição com arquitetura centrada na administração direta, prevendo como órgãos de direção superior o Advogado-Geral da União, a Procuradoria-Geral da União, a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional, a Consultoria-Geral da União, o Conselho Superior da Advocacia-Geral da União e a Corregedoria-Geral da Advocacia da União (art. 2º, I). Além disso, previu as carreiras de Advogado da União, Procurador da Fazenda Nacional e Assistente Jurídico (art. 20), todas relacionadas a funções desempenhadas no âmbito da Administração direta.

A LOAGU também dispôs, em seu art. 17, que os órgãos jurídicos das autarquias e fundações seriam órgãos vinculados à AGU, estabelecendo uma distinção orgânica que persiste até hoje entre o núcleo da instituição e os demais órgãos que exercem funções jurídicas em nome dessas entidades.

Desde sua promulgação, a LOAGU jamais foi alterada, embora diversos fatores tenham evidenciado a necessidade de sua atualização. A ausência de menção expressa às carreiras de Procurador do Banco Central e de Procurador Federal — estruturadas estatutariamente após 1993 — e a manutenção da extinta carreira de Assistente Jurídico são exemplos do descompasso entre seu texto atual e a realidade institucional consolidada.

A carreira de Procurador do Banco Central, em sua forma atual, foi instituída após o julgamento, em agosto de 1996, da Ação Direta de Inconstitucionalidade 449-2, no qual o Supremo Tribunal Federal (STF) reconheceu a inconstitucionalidade do art. 251 da Lei 8.112, de 11 de dezembro de 1990, que excluía os servidores do Banco Central do Regime Jurídico Único (RJU) de previsto no art. 39 da Constituição, mantendo-os sob o regime celetista.

A criação estatutária da carreira se deu pela MP 1435, de 18 de dezembro de 1996, sucessivamente reeditada e ao final convertida na Lei 9.650, de 27 de maio de 1998. Já a carreira de Procurador Federal surgiu da MP 2229-43, de 6 de setembro de 2001, com base na transformação de cargos jurídicos das autarquias e fundações públicas federais, excetuando-se o Banco Central.

Além disso, a carreira de Assistente Jurídico, ainda mencionada no texto da LOAGU, deixou de existir por força do art. 11 da MP nº 43, de 25 de junho de 2002, que enquadrou seus integrantes como Advogados da União.

A propósito, vale lembrar que o STF julgou improcedente, em dezembro de 2002, a ADI 2713, que impugnava a MP 43, de 2002, sob o argumento de que a extinção da carreira demandaria edição de lei complementar. Para o STF, conforme voto condutor da ministra Ellen Gracie, a mudança observou o art. 48, X, da Constituição, que prevê lei ordinária para criação e transformação de cargo, não havendo que se falar em exigência de lei complementar.

Diante disso, a LOAGU tornou-se anacrônica, seja por omitir carreiras e órgãos consolidados no cotidiano da Advocacia Pública Federal, seja por manter dispositivos já superados pela realidade institucional.

Contudo, em muitos aspectos, as carreiras de Advogado da União, Procurador da Fazenda, Procurador do Banco Central e Procurador Federal convergiram nas últimas décadas. Seus titulares exercem basicamente as mesmas funções, necessariamente são bacharéis em direito inscritos na Ordem dos Advogados do Brasil (art. 3º, § 1º, da Lei 8.906, de 4 de julho de 1994), são aprovados em concursos públicos de provas e títulos (art. 21, caput, da LOAGU; art. 6º, § 2º, da Lei 9.650, de 1998; art. 31 da Lei 12.269, de 21 de junho de 2010), e contam com carreiras e remunerações assemelhadas (Lei 13.327, de 29 de julho de 2016).

Atualmente, dois projetos de lei complementar tramitam no Congresso Nacional com o objetivo de atualizar a LOAGU: o PLP 205/2012 e o PLP 337/2017, sendo este último sob regime de urgência na Câmara dos Deputados, sob a relatoria do deputado Lafayette de Andrada.

Entre as principais questões enfrentadas pelos projetos estão a inclusão formal na estrutura da AGU das carreiras de Procurador Federal e de Procurador do Banco Central do Brasil, bem como a elevação da Procuradoria-Geral Federal (PGF) e da Procuradoria-Geral do Banco Central (PGBC) à condição de órgãos de direção superior.

Essas propostas, no entanto, enfrentam resistências que remontam a uma leitura restritivista do termo “União” constante do caput do art. 131 da Constituição. Para essa corrente, como as autarquias e fundações públicas federais contam com personalidade jurídica própria, distinta da União, os órgãos que as representam judicial e extrajudicialmente não poderiam integrar a estrutura da AGU; só poderiam ser “órgãos vinculados”.

Essa leitura ignora, porém, o propósito integrador do art. 29 do ADCT e o e os debates dos constituintes de 1987-1988, como se procurará demonstrar ao final dessa série de artigos.

Apesar do impasse, o debate voltou à tona recentemente. A própria AGU promoveu consulta interna entre membros das quatro carreiras jurídicas federais sobre a retomada das discussões em torno da reforma da LOAGU. O resultado evidenciou um cenário favorável ao avanço das propostas: 57,78% dos participantes manifestaram-se a favor da continuidade das discussões, sinal claro da atualidade do debate.

Neste contexto, a presente série de artigos pretende revisitar os momentos fundacionais da AGU, especialmente aqueles vivenciados no contexto da Assembleia Nacional Constituinte. Ao longo das próximas publicações, traremos à tona os debates parlamentares, as emendas, os pareceres e as disputas conceituais que ajudaram a moldar o desenho constitucional da AGU, lançando luz sobre a gênese de uma das instituições-chave da República.

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As opiniões deste artigo são estritamente pessoais

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