Concessões multimodais no PL das Concessões

No dia 8 de maio, a Câmara dos Deputados aprovou o substitutivo do PL 2.892-A de 2011, que altera alguns normativos em matéria de concessões de serviços públicos, em especial a Lei 8.987/95. O projeto ainda será reapreciado pelo Senado. Se aprovado tal como está, trará diversas inovações, entre as quais destaca-se a instituição das chamadas concessões multimodais.

A partir disso, pela redação que consta até agora, o artigo 5º da Lei de Concessões passará a contar com um parágrafo primeiro, cujo teor define essa nova espécie de contratação da seguir forma:

“A licitação da concessão poderá ter por objeto a prestação de serviços e a execução de obras conexos, assim entendidos aqueles cuja realização associada pela mesma concessionária se justifique pela eficiência econômica, ganhos de escala, complementariedade de escopo ou em razão de atendimento integrado aos interesses dos usuários e poderá inclusive contemplar: I – serviços e obras não afetos ao mesmo setor; II – a execução de obras que, após a entrega, não venham a ser geridas e exploradas pela concessionária. § 2º A aplicação do disposto no § 1º deste artigo deverá observar a legislação setorial específica”.

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Trocando em miúdos, o dispositivo admite que serviços e obras de projetos distintos sejam licitados conjuntamente, conquanto se comprove a existência de: (i) eficiência econômica; (ii) ganhos de escala; (iii) complementariedade de escopo; ou (iv) atendimento integrado aos interesses dos usuários.

Uma vez preenchido ao menos um desses requisitos, portanto, será possível unir em um mesmo certame atividades diferentes, em uma concessão multimodal. Em certa medida, tal vem na contramão do entendimento preponderante até então de que o parcelamento dos objetos é que pode trazer um ganho econômico (arts. 18 §1º inciso VIII, 40 caput inciso V alínea “b” §§2º e 3º 47 da Lei 14.133/21).

A ideia até então é que cada licitação teria um objeto, e que em alguns casos fracioná-lo em diferentes certames é que eventualmente seria recompensador ao Poder Público.[1] A Lei 14.133/21 trilhou caminho similar ao da Lei 8.666/93 em relação a esse tema.

Em alguns setores, aliás, tornou-se praxe segregar infraestruturas e exigir que empresas diferentes administrem cada parte delas, a exemplo do que tem se visto no setor portuário. Nele, em alguns casos, foi proibido que armadores explorassem arrendamentos portuários ou concessões de portos organizados.[2] Os argumentos utilizados aqui, assim como em outros mercados, consistem na ideia de que segregar a participação:

Fomentaria a entrada de novos players, em prestígio à competitividade; e
Evitaria o aumento dos preços, partindo da premissa de que, teoricamente, se um particular ocupa diferentes polos em um mesmo mercado ele teria mais facilidade em controlar os valores cobrados em geral e aumentá-los, a prejudicar os usuários / consumidores finais.

A opção do legislador na versão atual do PL 7063/2017, contudo, foi diferente. Unir objetos em um mesmo operador é que pode ser vantajoso, a depender da situação. Não que antes fosse completamente inadmitida essa prática. Por exemplo, em concessões que seguem a lógica dos subsídios cruzados, já era visível a transferência de infraestruturas diferentes a um mesmo particular, de modo que a lucratividade de um compensasse os eventuais prejuízos do outro, na chamada lógica do filé com osso.[3]

Outra situação já praticada nos dias atuais é a de compartilhamento de postes e sistemas de monitoramento. Em 2023, o Congresso Nacional aprovou a Emenda Constitucional 132/2023, que modificou o art. 149 da CF, a qual recentemente foi regulamentada pela Resolução 1.115/2025 da Aneel, e possibilitou que as concessões de iluminação pública também veiculassem serviços de monitoramento da segurança.

Em outras palavras, a depender da forma como o projeto foi modelado, um concessionário de serviço de iluminação pública poderia também instalar e operar câmeras de segurança em seus postes. Dessa maneira, estaria a prestar dois serviços unidos em um mesmo contrato.

A despeito dessas e outras situações pontuais, agora essa técnica ganhará maior densidade normativa. A lei deixará mais clara a possibilidade de contratação conjunta, inclusive de obras e serviços de diferentes setores regulados, conquanto comprovada a sua vantajosidade. E isso talvez abra uma gama de possibilidades às concessões, permitindo a exploração combinada de atividades das mais diversas.

Para ilustrar, tomemos como exemplo a concessão de determinada lavra de exploração de minério em que a concessionária depende de uma ferrovia para escoar sua produção. Se o Poder Público desse início a uma licitação desse modal de transporte isoladamente, teria que haver uma regulação intensa das tarifas cobradas para evitar abusos por parte da transportadora em relação à mineradora, uma vez que ela, em princípio, teria incentivos para elevar a cobrança pelo transporte sobre trilhos. Razão pela qual transferir ambas as infraestruturas a um mesmo particular evitaria esse tipo de conflito e as dificuldades regulatórias inerentes a ele, ainda mais se a licitação da ferrovia for pouco lucrativa, não tendo muito interessados.

Outro exemplo seria a concessão de dado serviço público juntamente com a realização de uma obra pública que será levada a cabo em outra infraestrutura concedida. Se, por exemplo, o Poder Público necessita realizar uma obra em dada rodovia, mas não tem recursos para fazê-lo e nem ela está prevista no respectivo contrato de concessão, uma maneira de viabilizar essa empreitada seria, ao delegar outra rodovia a um particular, incluir no edital do novo projeto a implementação de obra no anterior. Assim, um contribui com o aprimoramento e otimização do outro, ainda que sejam de concessionárias diferentes.

O objetivo aqui é destravar investimentos, reduzindo o número de licitações, que em geral demandam muito tempo e recursos para serem modeladas. Além do que, em projetos nos quais há um compartilhamento de infraestrutura, segmentá-lo em diferentes agentes de mercado poderia trazer dificuldades de coordenação por parte dos diferentes agentes de mercado.

Hipoteticamente, no caso de um arrendamento portuário que escoa a produção de derivados de petróleo, o arrendatário teria que ter um profícuo e contínuo diálogo com o transportador para que o fornecimento não sofresse solução de continuidade.

Dito de outro modo, se em algum momento houver embaraços ou dificuldades de comunicação entre os dois particulares envolvidos, é possível que haja a interrupção de fornecimento dos derivados de petróleo e, consequentemente, o desabastecimento de todas as empresas que dependem dele, de modo que os impactos econômicos seriam difusos e elevados. Nesse quadrante, concentrar as atividades em um mesmo prestador pode mitigar tal risco.

Por outro lado, a despeito dos ganhos de eficiência que as concessões multimodais podem proporcionar, há ao menos uma cautela a ser tomada, que consiste no dever de demonstrar os ganhos de uma contratação conjunta, no lugar da separação entre dois ou mais contratos. O ônus da prova aqui seria da instituição responsável por modelar e licitar o projeto, de sorte que a ausência de substrato técnico sólido o bastante para tanto deve fazer a dúvida pender para o lado mais conservador, que é o de licitar da forma tradicional, com contratos diferentes para projetos diferentes.

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Esse ponto é importante sobretudo se considerarmos que, eventualmente, podem ser requeridos atestados para cada objeto licitado, ainda que em um mesmo certame, o que terá como consequência restringir o seu caráter competitivo, em desatenção ao Princípio da Competitividade, tornando o ato convocatório nulo (arts. 9º inciso I e 5º da Lei 14.133/21).

E isso impacta não só na concorrência e na obtenção da proposta mais vantajosa pela administração pública, mas em particular aumenta as chances de haver desvios nas licitações. É que elevar o número de requisitos e documentos a serem apresentados pelos licitantes é um meio para reduzir o número de interessados e, consequentemente, conduzir a licitação para um ou outro proponente.

Esse risco por si só não deslegitima as concessões multimodais, mas acende a preocupação de conciliarmos, de um lado, o maior número de combinações de modais possíveis, gerando mais e mais ganhos práticos em compartilhamentos de infraestrutura e, de outro, minimizar as chances de ineficiências e desvios de finalidade, o que depende da realização de estudos e modelagens consistentes e bem fundamentados tecnicamente.

[1] TCU, Licitações e Contratos: Orientações e Jurisprudência do TCU. <https://licitacoesecontratos.tcu.gov.br/4-1-8-justificativas-para-o-parcelamento-ou-nao-da-contratacao/#_ftn2> Acesso em 06/06/2025.

[2] FREITAS, Rafael Véras; RIBEIRO, Leonardo Coelho. Regulação e Concorrência nos Portos. Belo Horizonte: Fórum, 2025, pp. 19 – 20.

[3] SOUSA, Rennaly Patrício; SILVA FILHO, Edison Benedito da. Avaliação Econômica das Experiências Nacionais e Internacionais de Subsídios Cruzados no Setor de Transportes Terrestres. IPEA, Texto para Discussão, 2022. Disponível em: < chrome-extension://efaidnbmnnnibpcajpcglclefindmkaj/https://repositorio.ipea.gov.br/bitstream/11058/11082/3/TD_2735.pdf> Acesso em 06/06/2025.

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