IR sobre dividendos: risco oculto para empresas com reservas de incentivos fiscais

A tributação de dividendos voltou ao centro do planejamento societário brasileiro. Com a promulgação da Lei 15.270/25 — fruto da conversão do PL 1.087, proposto pelo governo federal — restabeleceu-se a incidência de Imposto de Renda na Fonte (IRF) sobre dividendos distribuídos a pessoas físicas residentes (em valores superiores a R$ 50 mil mensais) e a não residentes, após quase trinta anos de vigência da isenção instituída pelo artigo 10 da Lei 9.249/95.

A mudança estrutural trouxe às empresas e aos seus acionistas uma corrida para reorganizar políticas de distribuição, avaliar impactos financeiros e revisar a forma de alocação de resultados no patrimônio líquido.

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Nesse cenário, surge um ponto sensível: como ficam as reservas de incentivos fiscais constituídas ao longo dos anos pelas empresas que discutem judicialmente a aplicação da tese do pacto federativo (tema enfrentado no EREsp 1.517.492/PR)?

Tais empresas optaram por obter decisões judiciais autorizando a não tributação desses benefícios independentemente de alocá-los e mantê-los em reservas de incentivos fiscais, como a legislação assim o exigia (artigo 30 da Lei 12.973/14).

Com efeito e na perspectiva de muitos contribuintes, essas reservas — decorrentes da exclusão, da base do IRPJ e da CSLL, de valores vinculados a créditos presumidos de ICMS — permaneceriam “travadas” até que cada contribuinte obtivesse decisão definitiva que permitisse sua distribuição sem que fosse alegada violação à legislação tributária federal.

Contudo, se tais reservas forem distribuídas somente após o trânsito em julgado dessas ações individuais, ainda que não gerem IRPJ e CSLL no nível da empresa, serão alcançadas pelo IRF, à luz do novo regime introduzido pela Lei 15.270/25.

A pergunta inevitável é: existe alternativa para evitar que essas futuras distribuições — feitas após eventual vitória judicial — sofram retenção na fonte? Uma via possível, técnica e juridicamente fundamentada, é a capitalização das reservas de incentivos fiscais.

A capitalização é operação que não enseja tributação no nível da pessoa jurídica, conforme estabelecia o artigo 30, II, da Lei 12.973/14, e atualmente estabelece o artigo 16, II, da Lei 14.789/23. Ao incorporar tais valores ao capital social, confere-se aos acionistas um “custo de aquisição” correspondente, permitindo que, futuramente, uma redução de capital viabilize a devolução de caixa sem incidência de IRF, já que o retorno estaria limitado ao custo que passou a integrar o investimento societário.

Ocorre que essa estratégia também encontra resistência na esfera administrativa. Recentemente (5.11.2025), a 1ª Turma da 2ª Câmara da 2ª Seção do Carf, no Acórdão 2201-012.426, firmou entendimento no sentido de que a capitalização da reserva de incentivos não gera custo ao acionista, porque tal reserva “não é constituída pelos lucros da empresa, mas por subvenções para investimento concedidas pelo governo”[1].

Essa decisão não é isolada. O Conselho já havia se pronunciado em outros julgados — como aqueles mencionados por Carlos Augusto Daniel Neto em sua análise (Acórdãos 2401-005.250 e 2402-010.289)[2] — no mesmo sentido: apenas reservas formadas por “lucros” poderiam gerar custo, excluindo-se as reservas de incentivos.

Mas esse entendimento, embora existente, não representa a melhor leitura do ordenamento jurídico. Desde a alteração promovida pela Lei 11.638/07 e a adoção do CPC 07 (Subvenções e Assistência Governamentais), as subvenções para investimento devem ser reconhecidas como receitas, ingressando no resultado da empresa e compondo o lucro líquido do exercício.

A posterior destinação desse lucro à conta de reserva de incentivos fiscais não desnatura sua natureza de lucro — trata-se apenas de uma alocação dentro do patrimônio líquido para viabilizar o cumprimento dos requisitos de manutenção do benefício de IRPJ e de CSLL.

Assim, o § 1º do artigo 10 da Lei 9.249/95, ao estabelecer que o custo de aquisição é formado pela “parcela do lucro ou reserva capitalizado”, não faz distinção qualitativa entre espécies de lucro. Fala em “lucros apurados”, segundo as regras societárias — conceito dentro do qual inequivocamente se inserem as subvenções reconhecidas como receita e destinadas à reserva de incentivos.

A interpretação restritiva adotada em alguns acórdãos do Carf parte de premissa ultrapassada: o tratamento pré-IFRS, no qual as subvenções eram classificadas como reservas de capital, sem transitar pelo resultado.

Por isso, a capitalização das reservas de incentivos relacionadas à tese do pacto federativo é, sim, uma alternativa viável e recomendável, especialmente para contribuintes que possuem ações judiciais em curso e pretendem assegurar, de forma estruturada, que os valores eventualmente liberados no futuro possam ser repassados aos acionistas sem tributação pelo IRF, evitando que a mudança legislativa (Lei 15.270/15) esvazie o benefício econômico de uma futura vitória judicial.

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A expectativa é de que o debate evolua, permitindo maior segurança jurídica e uma aplicação coerente do regime do patrimônio líquido, em sintonia com a contabilidade contemporânea e com o princípio da legalidade.

Enquanto isso, a capitalização das reservas permanece como uma ferramenta legítima, capaz de preservar a utilidade econômica de benefícios fiscais cuja distribuição pode vir a ser autorizada apenas anos à frente — já sob a vigência da nova tributação dos dividendos.

[1] Acórdão nº 2201-012.426, Processo nº 10510.723909/2014-47, 2ª Seção, 2ª Câmara, 1ª Turma Ordinária, sessão de 5 nov. 2025.

[2] DANIEL NETO, Carlos Augusto. Capitalização de reservas de incentivos fiscais e o custo de aquisição das ações. ConJur – Consultor Jurídico, 17 nov. 2021. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2021-nov-17/direto-carf-capitalizacao-reservas-incentivos-fiscais-custo-aquisicao-acoes/. Acesso em: 9.12.2025.

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