Regulamentação dos serviços de ativos virtuais

Em artigo anterior, analisei a Resolução BCB 520/2025 e as bases para o funcionamento e a fiscalização das sociedades prestadoras de serviços de ativos virtuais (SPSAV), bem como os aspectos fundamentais como segregação patrimonial, governança, proteção ao consumidor e seleção de ativos estipulados por essa resolução.

Neste artigo, voltaremos as nossas atenções às resoluções BCB 519/2025 e 521/205 que complementam o do arcabouço regulatório editado pelo Banco Central em termos em termos de operações envolvendo ativos virtuais. Nesse sentido, abarcaremos os processos de autorização para funcionamento das prestadoras de serviços de ativos virtuais, bem como as alterações estruturais nas normas cambiais para incluir as operações com ativos virtuais no mercado de câmbio brasileiro.

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A Resolução BCB 519/2025 disciplinou os processos de autorização para o funcionamento das sociedades prestadoras de serviços de ativos virtuais e demais instituições do mercado financeiro, estabelecendo requisitos quanto à capacidade econômico-financeira dos controladores, origem lícita dos recursos, viabilidade do empreendimento, adequação da infraestrutura tecnológica e da governança corporativa, reputação ilibada e capacitação técnica dos administradores, além dos requerimentos mínimos de capital e patrimônio.

Na resolução foi feita distinção de tratamento aplicável às SPSAV conforme o momento de seu ingresso no mercado.

Para sociedades que já se encontravam em atividade quando da entrada em vigor da legislação, a norma prevê a possibilidade de protocolar pedido de autorização no prazo de 270 dias e continuar operando durante a tramitação do processo, valendo-se de regime bifásico de análise previsto no artigo 26 da aludida resolução.

Na primeira fase, analisa-se a comprovação de que a sociedade estava efetivamente em atividade, o atendimento aos requisitos de reputação ilibada dos controladores e detentores de participação qualificada e o atendimento aos requerimentos mínimos de capital e patrimônio. Na segunda fase, procede-se à análise dos demais requisitos.

Esse regime bifásico visa permitir que as empresas que já operavam no mercado possam regularizar sua situação de forma ordenada, evitando ruptura abrupta na prestação de serviços, ao mesmo tempo em que assegura que todas as exigências regulatórias sejam eventualmente cumpridas.

Já, as as sociedades constituídas posteriormente não gozam dessas prerrogativas. Para essas novas entrantes, a autorização prévia do Banco Central constitui requisito inafastável para o início de qualquer atividade relacionada à prestação de serviços de ativos virtuais, submetendo-se desde logo ao cumprimento integral de todos os requisitos estabelecidos no artigo 2º da Resolução.

Essa distinção revela opção regulatória de preservar os agentes econômicos já estabelecidos, permitindo-lhes transição gradual para a nova regulação, ao mesmo tempo, que gera maior ônus para os novos participantes deste mercado, aumentando, indiretamente, a barreira de entrada.

A resolução 519/2025 tambem prevê regras sobre controle societário e participação qualificada. Dessa forma, a participação direta que implique controle das instituições reguladas somente pode ser exercida por pessoas naturais, instituições autorizadas pelo Banco Central, instituições financeiras sediadas no exterior ou pessoas jurídicas constituídas no país que tenham por objeto exclusivo a participação em instituições autorizadas.

Essa limitação busca assegurar que o controle das SPSAV permaneça com agentes supervisionados ou com pessoas naturais plenamente identificáveis e responsabilizáveis. Veda-se expressamente que fundos de investimento exerçam o controle dessas instituições, embora possam deter participações qualificadas, sujeitas à verificação pelo Banco Central do atendimento aos requisitos aplicáveis.

Em complemento a essas disposições, a Resolução BCB 521/2025 incluiu as atividades das SPSAV no mercado de câmbio. Essa inclusão não é meramente formal. Ao incorporar as operações com ativos virtuais ao mercado cambial, o Banco Central reconheceu expressamente que determinadas transações envolvendo criptoativos possuem natureza equiparável às operações tradicionais de câmbio, sujeitando-as, portanto, aos mesmos controles e obrigações informacionais. Trata-se de movimento que tem como objetivo garantir maior transparência e rastreabilidade às operações transfronteiriças realizadas com ativos virtuais.

O regramento define quais atividades e operações das SPSAV integram o mercado de câmbio. Incluem-se nesse rol: (i) o pagamento ou transferência internacional com ativos virtuais, (ii) a transferência de ativo virtual destinada ao cumprimento de obrigação decorrente do uso internacional de cartão ou meio de pagamento eletrônico, (iv) a transferência de ativo virtual de ou para carteira autocustodiada que não envolva pagamento ou transferência internacional, e  (v) a compra, venda ou troca de ativos virtuais referenciados em moeda fiduciária.

A delimitação dessas operações demonstra a diversidade de usos dos ativos virtuais e a necessidade de tratamento diferenciado conforme a natureza da transação e seus potenciais impactos no sistema financeiro e cambial.

Destaca-se, também, as disposições sobre as operações que envolvem carteiras autocustodiadas, definidas como aquelas cujo proprietário detém o controle da respectiva chave privada. A resolução impõe às prestadoras de serviços a obrigação de identificar o proprietário dessas carteiras e de implementar processos documentados para verificar a origem e o destino dos ativos virtuais nessas operações. Essa carteiras autocustodiadas, justamente por não dependerem de intermediação para movimentação, representam desafio particular para os controles de prevenção à lavagem de dinheiro.

A Resolução estabelece, ainda, vedações que delimitam o campo de atuação das prestadoras. Proíbe-se a compra ou venda de ativos virtuais com pagamento ou recebimento em moeda estrangeira, inclusive quando efetuada em livro de negociação, bem como a movimentação de recursos de interesse de terceiros mediante prestação de serviços de ativos virtuais incluída no mercado de câmbio, ressalvada a prestação de serviço a instituição autorizada que atue no interesse de seus clientes.

Essas vedações parecem ser uma tentativa de assegurar que as operações cambiais permaneçam sob o controle das instituições devidamente autorizadas e que os riscos associados à intermediação sejam adequadamente geridos.

Quanto às instituições autorizadas a operar com ativos virtuais no mercado de câmbio, a resolução estabelece gradação conforme o tipo de instituição e o porte das operações.

Os bancos e a Caixa Econômica Federal podem realizar todas as operações do mercado de câmbio com ativos virtuais, desde que atuem como prestadoras de serviços de ativos virtuais nos termos da Resolução 519/2025 e demais regramentos aplicáveis. As sociedades corretoras de câmbio, por sua vez, podem realizar operações de câmbio com clientes para liquidação pronta de até US$ 500 mil, operações no mercado interbancário e operações de prestação de serviços de ativos virtuais, observado que, quando a contraparte não for instituição autorizada a operar no mercado de câmbio, há limitação ao equivalente a US$ 500 mil.

As SPSAV ficam restritas às operações de prestação de serviços de ativos virtuais, com vedação expressa a operações envolvendo moedas em espécie e limitação de US$ 100 mil para pagamentos ou transferências internacionais quando a contraparte não for instituição autorizada. Essa arquitetura revela a intenção do regulador de calibrar os riscos conforme a natureza e a capacidade de cada tipo de instituição, concentrando as operações de maior volume e complexidade naquelas entidades que dispõem de estrutura mais robusta de controles e capital, o que acaba por gerar uma reserva de mercado para essas instituições.

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As obrigações informacionais impostas pela Resolução BCB 521/2025 constituem elemento central deste arcabouço regulatório. As instituições autorizadas devem enviar ao Banco Central, até o 5º dia do mês subsequente à operação, informações detalhadas sobre pagamentos ou transferências internacionais com ativos virtuais, incluindo data, finalidade, identificação do cliente, denominação e quantidade do ativo virtual, valor de referência em reais, dados do pagador ou recebedor no exterior e relação de vínculo.

Exigem-se, igualmente, informações sobre transferências entre clientes e emissores de meios de pagamento internacional, transferências de ou para carteiras autocustodiadas e totais mensais de compras, vendas e trocas de ativos virtuais referenciados em moeda fiduciária. Essas obrigações permitem ao Banco Central acompanhar em tempo quase real os fluxos de recursos envolvendo ativos virtuais, identificar padrões anômalos e atuar quando necessário.

A análise conjunta das Resoluções BCB 519 e 521 permite concluir que o Banco Central buscou equilibrar a necessidade de fomentar a inovação financeira com a proteção dos usuários e a estabilidade do sistema financeiro. As normas não vedam o funcionamento do mercado de ativos virtuais, mas impõem estrutura regulatória que aparentemente visa mitigar os riscos inerentes a essas atividades.

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