‘Modernidade’ do hidrogênio verde esconde visão estigmatizada dos combustíveis fósseis

Alguns executivos da área de energia – como a CEO da Associação Brasileira da Indústria do Hidrogênio, Fernanda Delgado, em artigo para o JOTA publicado no último dia 3 – tendem a olhar somente para o próprio umbigo. Olham a árvore e esquecem a floresta. Defendem a “modernidade” com um discurso que já ficou velho. Denominam fontes como obsoletas por não se enquadrarem em narrativas pretensamente modernas e que, no final, não levam a lugar nenhum. Vendem slogans vazios que não se sustentam na realidade.

O velho ditado “não ponha todos os ovos na mesma cesta” é esquecido, assim como se despreza a máxima de que a diversidade é sinônimo de segurança. Estive presente em diversas discussões, desde o final do século 20, entre americanos e alemães, sobre qual tecnologia deveria ser usada para reduzir as emissões das usinas a carvão: utilizar captura de CO2 (CCUS) ou aumentar a eficiência das usinas.

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Sempre defendemos o uso de ambas. A Alemanha, para substituir usinas nucleares, iniciou em 2008 a construção de 12 GW com usinas a carvão de alta eficiência. No mundo, temos hoje usinas a carvão com eficiência de 52% (China), onde há uma redução de 40% das emissões de CO2 em relação a usinas da década de 1990.

Entretanto, a tecnologia do CCUS não teve o mesmo apoio. A Alemanha decidiu optar pelo gás importado, baseando-se na sua disponibilidade e procurando descomissionar as usinas a carvão, apesar de dispor de grandes reservas deste combustível. Os Estados Unidos, com enormes reservas fósseis, investiram em desenvolvimento tecnológico e fizeram uma legislação de incentivo financeiro para viabilizar o CCUS.

Se a Europa, em especial a Alemanha, tivesse feito uma política com enormes subsídios, como fez com as fontes eólica e solar, para apoio ao desenvolvimento do CCUS, a situação hoje seria diferente. Esses países poderiam estar mais perto de resolver a equação de sua matriz energética, tanto para geração de energia elétrica (complementando as renováveis), como para atendimento do parque industrial.

A Europa agora corre para substituir o gás russo. Busca o hidrogênio verde, mas não fala do hidrogênio azul (fóssil com CCUS). Parece que esses países não aprenderam nada. Continuam estigmatizando os fósseis – embora ainda dependam 70% da importação dessas fontes – e recorrem à pseudossegurança das renováveis. O carvão, combustível produzido em mais de 70 países do mundo, não sofre com problemas geopolíticos de suprimento, tem um comércio de mais de 1 bilhão de toneladas anuais e segue sendo uma fonte segura.

O Japão, que conta com uma matriz energética diversificada, em fevereiro de 2024 recebeu o primeiro navio com hidrogênio azul produzido na Austrália a partir do carvão. É só mais uma demonstração de que precisamos usar todas as formas de energia para buscar uma transição energética de baixo carbono. Com isso, teremos mais segurança e menor preços de energia. Também devemos reduzir o consumo de energia com mais eficiência e investir em todas as tecnologias para mitigar as emissões. A busca de qualquer transição energética que altere o balanço de oferta e demanda de forma abrupta causará ônus a população.

No Brasil, as usinas a carvão contribuem com o menor custo das térmicas fósseis e ajudam na preservação dos reservatórios durante as crises hídricas, como ocorreu em 2015 e 2021. Qualquer referência de política energética baseada no modelo europeu deve ser analisada com muito cuidado. É preciso respeitar as especificidades de um país em desenvolvimento, com um consumo per capita de energia de metade daquele definido pela ONU para países desenvolvidos. Deve-se respeitar nossos níveis de IDH e a nossa emissão de CO2 per capita no setor de energia, que é invejada pelos países ricos.

Portanto, está mais do que na hora de uma discussão pragmática e racional sobre o uso do nosso carvão mineral, que tem um preço em moeda nacional, não está sujeito a humores internacionais e pode ser usado com tecnologia ambientalmente sustentável.

Olhando o Brasil, tivemos uma onda sobre o hidrogênio verde: muitos memorandos de entendimento anunciados, muitos estudos, muita mídia, mas, no mundo real, nada de relevante aconteceu. Projetos baseados em fontes renováveis não evoluíram e empresas europeias saíram desta tecnologia. No Nordeste e no Rio Grande do Sul não se tornou realidade. Por quê? Será que esse mercado não está pronto? Será que precisa de subsídios elevados? Será que o mercado de hidrogênio barato é aquele que vem do custo de fontes subsidiadas?

No Brasil, felizmente, a discussão do marco regulatório do hidrogênio, que era para ser “verde”, concretizou-se em “baixo carbono”, onde se usa os fósseis com captura de CO2, algo que está em franco desenvolvimento na China. Entendemos que todas as fontes são importantes, mas não é criticando uma que vamos ter mercado para a outra.

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A legislação fruto da MP 1304/25, sob forma da Lei 15.269/25, propicia a possiblidade de uma transição energética justa e inclusiva, dando o tempo necessário ao desenvolvimento tecnológico para um mundo de baixo carbono. No mundo atual, competitivo e carente de energia, é fundamental manter o parque térmico de carvão nacional entregando potência, energia e serviços ancilares a preços competitivos e sem subsídios.

Assim será possível evoluir para uma matriz energética diversificada e segura para todos os brasileiros. Quem sabe poderemos produzir hidrogênio de baixo carbono, com menor custo que o hidrogênio verde, a partir do carvão brasileiro, como é feito em outros países do mundo. Isso pode se tornar uma realidade com desenvolvimento tecnológico e parcerias internacionais.

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