A política de telessaúde no Brasil entre conquistas e desafios 15 anos depois

A política de telessaúde no Brasil completou 15 anos em 2025, tomando como data do aniversário a publicação da Portaria 402 de 2010, que criou o então Programa Telessaúde Brasil. Apesar de ter sido uma das intervenções digitais em saúde que mais superaram resistências, a telessaúde ainda é pouco estudada, sobretudo no que diz respeito ao papel federativo, à coordenação do cuidado e à integração às redes estaduais

Apesar de existirem normas e usos anteriores, a portaria selou a contribuição do Ministério da Saúde ao estabelecer, pela primeira vez, que tecnologias de informação e comunicação são meio para dois fins: primeiro, para a oferta de cuidados de saúde; segundo, para o fortalecimento da atenção primária no Brasil. Trata-se de um marco institucional, também, devido à criação de uma coordenação específica para o tema na estrutura ministerial (à época, na Secretaria de Gestão do Trabalho e Educação na Saúde), transformando em política federal as experiências anteriores dos nove centros universitários que deram origem à rede de núcleos de telessaúde.

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A política de telessaúde nasceu em meio a uma profusão de normas fundamentais para a organização do SUS, adotadas em 2010 e no ano seguinte. Entre elas estão a norma que estabeleceu diretrizes para a implantação das redes de atenção à saúde e a atenção básica como ordenadora do cuidado (Portaria 4.279/2010) e o uso de padrões de interoperabilidade (Portaria 2.073/2011) — ambas ainda em implantação e com efeitos em avaliação. Quinze anos depois, a telessaúde passou por avanços impulsionados pela evolução tecnológica, mas também enfrentou momentos de estagnação decorrentes da perda de prioridade política.

Ao longo desse período, a colaboração bilateral de universidades públicas e do Ministério da Saúde em torno do tema deixou de ser exclusiva, e um maior número de mecanismos contratuais, bem como de parceiros, surgiu na política.

A contratualização ampliou-se como forma consagrada de oferta de serviços no SUS, via financiamento federal e adesão voluntária de estados e municípios; somaram-se a isso os incentivos fiscais para hospitais filantrópicos participantes do PROADI-SUS e, mais recentemente, chamamentos destinados a instituições públicas e privadas para desenvolvimento de serviços em linhas de cuidado prioritárias, como cardiologia, ortopedia, oftalmologia, oncologia, otorrinolaringologia.

Essas modificações ocorreram fora do escopo do programa nacional, tal como estruturado, o que poderia criar uma oportunidade para sua ampliação em uma política única, para gerir todos os mecanismos e decisões decorrentes dessas contratações. Essas decisões respondem à necessidade de maior atenção tanto à forma de priorização e avaliação da telessaúde em diferentes estratégias quanto à sua integração com as redes de serviços geridas por estados e municípios.

Nesse sentido, apesar de diferentes provedores de telessaúde atuarem nos mesmos territórios, parece haver menos sobreposição do que subutilização dos serviços remotos, o que se traduz em uma necessidade de coordenação do cuidado, para que a telessaúde amplie seu alcance e atinja sua missão.

A integração da telessaúde a políticas abrangentes e de maior fôlego, que estão no centro de reformas atuais que o Ministério da Saúde vem conduzindo, como a Rede Nacional de Interoperabilidade de Saúde (RNDS) e o programa Agora Tem Especialista, ilustra essa ampliação do papel estruturante da telessaúde na década de 2020. Nessa direção, caminham ofertas de atendimento remoto cada vez maiores no nível subnacional, como é o caso da evolução do consórcio Conectar, estabelecido pela Frente Nacional de Prefeitos para a compra coletiva de insumos escassos durante a pandemia da Covid-19 e que contratou consultas em 30 especialidades médicas.

Outra iniciativa, mais recente, é desenvolvida pela Secretaria de Estado de Saúde de São Paulo para pessoas privadas de liberdade em 68 unidades prisionais. No bojo de ambas, emerge o reconhecimento da telessaúde como componente incontornável da assistência, movimento semelhante ao dos núcleos universitários que conquistaram, com maior sucesso, o respaldo das secretarias estaduais de saúde. 

Não à toa, foram justamente os núcleos universitários que estabeleceram coordenação efetiva com os fluxos de regulação estaduais ou que atuaram de forma mais substantiva em serviços específicos que conseguiram ofertar serviços em escala nacional. Além das fronteiras estaduais, foram disponibilizadas teleconsultorias via 0800 e, atualmente, são laudados de forma remota exames de eletrocardiograma, retinografia e dermatoscopia, além das teleconsultas com especialistas, via PROADI.

Assim como é necessário mobilizar as tecnologias para conectar regiões com boa infraestrutura e seus profissionais  às mais desassistidas, a especialização e o foco regional favorecem o aprimoramento da tecnologia e dos processos, com base em características locais e epidemiológicas. O processo de nacionalização da telessaúde depende justamente do aprofundamento desses  vínculos e do aprendizado contínuo a partir de diferentes territórios.

Outra mudança significativa, que consta no preâmbulo da Portaria 402, é que, nos anos 2010, a telessaúde nasceu intimamente conectada à Política Nacional de Educação Permanente em Saúde, estruturada sobretudo na teleconsultoria e na Segunda Opinião Formativa, em um momento em que o movimento de medicina baseada em evidências ainda se expandia no Brasil.

Hoje, com maior acesso à informação e com a priorização da integração do conhecimento especializado à oferta assistencial, observa-se um deslocamento nos recentes chamamentos públicos, orientados mais à oferta direta de cuidado ao usuário, especialmente por meio de serviços de telediagnóstico.

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Em meio a avanços nos modelos de interoperabilidade entre sistemas de informação, que moldam a visão pós-2020 do uso de recursos digitais para a saúde, a telessaúde permanece como alternativa para aumentar a tempestividade e a comodidade dos cuidados, além de otimizar recursos.

Comparativamente, a RNDS, criada em 2020, foi reconhecida em julho de 2025 como política de Estado, por força de decreto presidencial. Já a regularização da telessaúde ocorreu, tardiamente, em 2022, pela Lei 14.510. Recuperar os aprendizados construídos ao longo desses 15 anos é fundamental para consolidá-la como política de Estado para além da letra da lei, com prioridades claras e coordenação efetiva para que alcance seu potencial no cuidado em saúde.

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