Controvérsias na isenção dos dividendos de não residentes

O cenário tributário brasileiro encontra-se diante de uma profunda mudança com a publicação da Lei nº 15.270/2025. Esta mudança legislativa marca o fim da isenção total na distribuição de lucros, inaugurando, a partir de janeiro de 2026, a incidência do IRRF à alíquota de 10% sobre os dividendos, inclusive quando distribuídos a beneficiários no exterior.

A nova regra possui alcance abrangente para os não residentes, aplicando-se a pessoas físicas, pessoas jurídicas e fundos de investimento situados no exterior, ressalvadas apenas situações específicas envolvendo governos estrangeiros, fundos soberanos e entidades previdenciárias, que gozarão de tratamento excepcional.

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Ocorre que, para além da nova incidência, as complexas regras de transição e suas lacunas interpretativas têm demandado atenção do mercado. O novo artigo 10, parágrafo 5º, da Lei 9.249/95 é o dispositivo jurídico que deveria garantir segurança jurídica neste período de adaptação, uma vez que foi desenhado para proteger o estoque de lucros acumulados sob a vigência da legislação anterior, garantindo a isenção do IRRF para resultados apurados até o balanço de 2025.

Para fruição deste benefício, a norma impõe condições temporais e formais rigorosas: a distribuição deve ser aprovada em assembleia ou reunião de sócios até 31 de dezembro de 2025, tornando os dividendos juridicamente exigíveis, independentemente do momento efetivo pagamento. Aparentemente simples, essa regra esconde uma controvérsia interpretativa de alto risco para o capital estrangeiro investido no Brasil.

A principal discussão diz respeito à aplicabilidade desta isenção transitória aos beneficiários não residentes. Uma interpretação literal e restritiva da norma poderia sugerir que a isenção não alcançaria as remessas ao exterior, porque o novo parágrafo 5º foi inserido subordinado ao caput do artigo 10, cuja redação menciona a isenção para lucros pagos a beneficiários “domiciliados no país”. Defensores da tese fiscalista poderiam argumentar que, por topografia legislativa, a regra de transição estaria limitada ao escopo do caput.

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Todavia, tal interpretação ignora princípios basilares do direito tributário e a própria lógica sistemática do projeto, haja vista que a intenção do legislador foi inequivocamente preservar a carga tributária incidente sobre a riqueza gerada antes da mudança da lei. Ademais, sob uma ótica sistemática, o parágrafo 5º deve ser lido como uma norma de exclusão de incidência oponível a todas as inovações trazidas pela Lei nº 15.270/2025, inclusive em relação ao parágrafo 4º, que institui a tributação específica para não residentes. Entender de modo diverso criaria uma distorção injustificável, penalizando o capital estrangeiro em comparação ao nacional sobre fatos geradores idênticos ocorridos no passado.

A tese da aplicabilidade ampla ganha ainda mais força quando analisamos a duplicidade de normas de transição criadas pelo projeto: o já citado artigo 10, parágrafo 5º, da Lei 9.249/95, e o artigo 16-A, parágrafo 1º, inciso XII, da Lei 9.250/95.

Enquanto este último isenta especificamente as pessoas físicas residentes no Brasil, o primeiro foca na fonte pagadora e na retenção na fonte. Se o artigo 10, parágrafo 5º, se aplicasse apenas a residentes, a criação do dispositivo na Lei 9.250/95 seria inócua. A existência de duas normas sugere, portanto, que o artigo 10, parágrafo 5º, possui espectro mais amplo, regulando a não incidência da retenção na fonte sobre os dividendos a beneficiário no exterior.

Outro ponto controvertido diz respeito ao requisito temporal do pagamento dos dividendos. A nova legislação foi explícita ao estabelecer, no artigo 16-A da Lei 9.250/95, que os residentes têm até 2028 para efetivar o recebimento dos dividendos isentos do IRPF. Curiosamente, o artigo 10, parágrafo 5º, da Lei 9.249/95, aplicável à fonte e, por extensão, aos não residentes, silencia sobre essa data limite. Como o artigo 287 da Lei das S.A. prevê o prazo prescricional de três anos para a ação de cobrança de dividendos, uma interpretação conservadora poderia sugerir que o pagamento aos não residentes deveria ocorrer dentro desse triênio para evitar questionamentos sobre a perda da exigibilidade e, consequentemente, da isenção do IRRF.

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Entretanto, o benefício fiscal se consolida no momento da deliberação da distribuição em 2025. Assim, se a ata da assembleia que aprova a distribuição definir, de forma expressa, que o pagamento ocorrerá em data futura e determinada, o prazo prescricional sequer começou a correr, pois a prescrição só se inicia a partir do vencimento da obrigação, ou seja, da data estipulada para o pagamento. Sob essa ótica, desde que a obrigação tenha sido validamente constituída e tornada exigível nos termos da deliberação societária antes do fim de 2025, o direito à isenção do IRRF estaria preservado, não estando limitado ao corte de 2028 imposto apenas às pessoas físicas residentes.

Em conclusão, embora a Lei nº 15.270/2025 traga um arcabouço de transição, as incertezas para o investidor não residente são palpáveis. A ausência de menção expressa aos não residentes na regra de transição e a falta de um prazo limite definido criam uma zona cinzenta. Resta aguardar que a regulamentação infralegal venha a sanar essas lacunas, trazendo a clareza necessária para a preservação do ambiente de negócios no país.

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