TCU como quarto Poder?

O debate sobre o lugar do Tribunal de Contas da União (TCU) no modelo de separação de Poderes não é novidade para o direito administrativo brasileiro. Notadamente, a linguagem do texto constitucional de 1988, atribuindo ao TCU função auxiliar do Poder Legislativo (art. 71), não foi o ponto final. Enquanto alguns afirmam uma leitura textual, que situa a Corte de Contas sob o Legislativo (eg, aqui), outros afirmam uma condição mais independente, em linha com a percepção de auditores sobre a autonomia da instituição (eg, aqui).

Para além da persistente controvérsia doutrinária, a ideia do TCU como quarto Poder pode surgir de outra lente analítica. Destaco um olhar a partir do direito constitucional comparado capaz de lançar novas luzes sobre o papel do TCU na democracia brasileira.

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O constitucionalismo comparado tem dado maior atenção a instituições que não se enquadram nos três Poderes clássicos, reconhecendo-as como “garantidoras” (guarantor), ou como parte de um quarto Poder (fourth branch). Esse papel não é atribuído a uma única instituição, mas a um conjunto de órgãos que exercem funções que vão da supervisão regulatória à organização de eleições e ao combate à corrupção (ver aqui).

Juliana Palma e André Rosilho deram o primeiro passo na aplicação desse debate ao TCU, em recente dossiê publicado pela Revista Estudos Institucionais sobre a obra Responsive Judicial Review, de Rosalind Dixon (ver aqui). O argumento dos autores é de que o próprio TCU construiu seus poderes no período pós-88 de modo a se posicionar como quarto Poder. Segundo os autores, para além do desenho constitucional de 1988, o TCU teria operado a autoconstrução dessa posição a partir de uma expansão de competências.

Se o debate no direito administrativo nacional serve ao propósito de afirmar (ou relativizar) a independência do TCU em relação ao Legislativo, da ótica do direito constitucional comparado, a caracterização de uma instituição como quarto Poder também serve para estabelecer uma série de amarras e compromissos constitucionais. Ou seja, da ótica comparada, a caracterização de órgãos de controle como quarto Poder não pode apenas legitimar a posição institucional do TCU. Há uma série de deveres institucionais associados a essa caracterização que são úteis ao “controle” do controlador.

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O livro de Dixon, por exemplo, estabelece requisitos de responsividade que podem ser aplicados para esse fim. Em termos gerais, a teoria impõe deveres de definição do conjunto de atos aptos a impulsionar medidas de controle e de critérios para diferenciar a intensidade da intervenção. De forma ainda mais decisiva, destaca como a capacidade do órgão de controle não é dada, sendo informada por cuidados que o órgão adota ao exercer seu papel nas dimensões de autoria, tom e justificação. Tarunabh Khaitan também descreve requisitos de accountability que devem acompanhar o desenho de instituições garantidoras. De forma geral, esse tipo de reflexão permite o desenvolvimento de critérios de escrutínio rigorosos para examinarmos decisões específicas do TCU, ou mesmo o movimento contemporâneo mais amplo de expansão de suas competências.

Mais do que decidir se o TCU é ou não um quarto Poder, uma incursão no direito constitucional comparado nos ajuda a avaliar se ele cumpre os deveres de responsividade e accountability que essa posição exige.

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