Os 200 anos de D. Pedro II, o primeiro brasileiro a governar o Brasil

Há exatos 200 anos, em 2 de dezembro de 1825, nascia o primeiro brasileiro a governar o Brasil: Pedro de Alcântara João Carlos Leopoldo Salvador Bibiano Francisco Xavier de Paula Leocádio Miguel Gabriel Rafael Gonzaga. D. Pedro II reinou como imperador do Brasil entre 1840 e 1889, quando um golpe militar instalou a República e expulsou o monarca para Paris, onde morreu aos 66 anos, em 5 de dezembro de 1891.

O escritor e biógrafo Paulo Rezzutti passou grande parte dos últimos dez anos mergulhado em arquivos no Brasil, na Áustria e na França para escrever uma série de biografias de personagens da família real e adjacências. D. Pedro II: A história não contada foi publicado originalmente em 2019 e acaba de voltar às livrarias em edição da Record revista e atualizada pelo autor para marcar o bicentenário.

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Rezzutti lança nova luz, por exemplo, sobre o cotidiano de d. Pedro II, repleto de frustrações com o dia a dia do governo. Ao abordar o pensamento do imperador sobre a escravidão, o autor mostra como d. Pedro II trabalhou ativamente pela aprovação da Lei do Ventre Livre, em 1871, e simpatizava com uma ideia de abolição gradual. A definitiva só veio em 1888, deixando o Brasil com a lamentável marca de último país do Ocidente a abolir a escravidão.

É interessante observar como, apesar do Poder Moderador, o monarca podia muito, mas não podia tudo. Após a Guerra do Paraguai (1864-1870), d. Pedro II passou a lidar com um Exército fortalecido. Os militares estavam mais interessados em jogar o jogo da política e menos em servir de mero sustentáculo do trono – um legado que teve profundas consequências não só para 1889 como ao longo de toda a história republicana brasileira.

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Você conta que d. Pedro II “faria da Constituição a sua segunda religião”. Poderíamos chamar d. Pedro II de um constitucionalista? Como era essa relação dele com a Carta?

Ele era um constitucionalista e, em muitos casos, um garantista. D. Pedro II estudava todos os processos criminais que acabavam indo para que ele decretasse a pena de morte, prevista na época. Em sua “Fé de Ofício”, já no exílio, ele explica que, quando não conseguia achar nenhum problema no julgamento,  segurava o processo, convertendo a pena de morte em prisão perpétua.

O seu relato mostra como d. Pedro II foi menos autocrata do que à primeira vista poderíamos reconhecer em uma monarquia. O que faltou para o imperador exercer um poder absoluto de fato? O Poder Moderador encontrava algum limite?

O Brasil, na época, era uma monarquia de caráter liberal, de sistema bicameral e com um monarca que permitia tudo, da liberdade de imprensa à criação de um Partido Republicano, inclusive tirando dos deputados republicanos a obrigatoriedade de jurarem fidelidade ao imperador. Tem-se a impressão de que império é igual a tirania, mas não é o caso.

D. Pedro II foi um monarca constitucional atento ao seu tempo e à sua época. Depois de subir ao trono em 1840 ele foi se moldando aos novos ventos e até mesmo às revoluções ocorridas na Europa, que o fizeram mudar algumas questões no modo de governar. O Poder Moderador, quando utilizado por d. Pedro II para dissolver a Câmara, chegou a causar a Revolução de 1842 e mesmo o surgimento do Partido Republicano. Não era algo que se usava impunemente, e ele sabia disso.

Capa da biografia “D. Pedro II: A história não contada”, de Paulo Rezzutti (Record) / Crédito: Divulgação

Em alguns trechos do diário de d. Pedro II é visível a frustração do imperador com as idas e vindas do dia a dia do governo. Governar uma nação continental como o Brasil seria uma tarefa acima da capacidade dele?

Parece-me que é acima da capacidade de muitos conseguir conciliar as diversas demandas da sociedade brasileira. Mas, no caso dele, a exasperação era entre o que ele via fora do Brasil quando viajava ou mesmo estudava e como as coisas andavam a passos de tartaruga aqui dentro.

Inspirado em Napoleão III e todo o desenvolvimento que ele consegue ao implantar um regime ditatorial na França, d. Pedro II chegou a cogitar fazer o mesmo no Brasil, mas desistiu da ideia ao constatar não ter um líder militar forte o bastante e nem ter mais idade para isso. A ideia de d. Pedro II era mais ou menos o que Getúlio acabaria fazendo no século 20 na tentativa de modernizar o Estado Nacional do seu modo.

Com a Guerra do Paraguai, na segunda metade do reinado de d. Pedro II, o Exército se fortaleceu e passou a se imiscuir mais na política. Como o imperador via esse Exército enquanto ator político?

Ele achava que deveria ser valorizado, porém, terminado o conflito, parcialmente desmobilizado. Isso foi tentado ao longo de 1889, com a tentativa de um fortalecimento da Guarda Nacional em relação ao exército efetivo, o que acabou levando a um desgaste ainda maior entre o governo e os militares.

Logo no início do livro você lembra que d. Pedro II foi o primeiro brasileiro a governar o Brasil. O que isso significou de diferente em comparação com quem veio antes dele?

Antes eram todos nascidos em Portugal. O primeiro ministro nascido no Brasil foi José Bonifácio de Andrada e Silva, nomeado na época de d. Pedro I. Antes dele, d. João VI, apesar de governar do Rio de Janeiro o império ultramarino lusitano de 1808 a 1821, também era nascido e criado em Portugal.

D. Pedro II, como o pai dizia, era brasileiro de nascimento e não haveria contra ele qualquer dúvida a respeito de seu amor pelo Brasil. Na época do Primeiro Reinado, ainda havia uma grande animosidade da parte dos brasileiros contra os portugueses. Havia medo de que, após a morte de d. João VI em Portugal, em 1826, d. Pedro I assumisse também o trono da antiga metrópole e unisse novamente as duas nações, anulando de certa maneira a Independência.

D. Pedro II nasceu em 2 de dezembro de 1825, quando o Brasil efetivamente estava comemorando o reconhecimento de sua Independência. Em novembro de 1825, Portugal reconheceu a Independência do Brasil e, com isso, todas as nações passaram a fazer o mesmo. Menos de um mês depois, nasceu d. Pedro II.

Você escreve que “aos poucos, d. Pedro II se aburguesou” e esqueceu do projeto inicial de produzir uma memória sobre sua coroação e sagração. Por que ele se distanciou dessa ideia? Como se deu essa mudança na maneira de ele encarar a vida?

D. Pedro II, como a maior parte dos adolescentes, queria ficar adulto mais cedo. Ele aproveitou esses primeiros anos de imperador efetivo, projetando e participando de detalhes da própria coroação. Mas, aos poucos, ele percebeu como era árduo o papel de agulha de bússola, que tem que apontar sempre para a direção correta.

Nesse sentido, ele foi deixando de lado toda a pompa e circunstância do cargo e passou a se ver e querer ser visto como um cidadão brasileiro e um funcionário do Estado, mais importante, sem dúvida. É a esse seu país, o Brasil, a quem ele dedica a sua vida a servir, até mesmo depois da queda da monarquia e de seu banimento.

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