A Associação Nacional dos Agentes de Polícia do Ministério Público da União (AGEMPU) ajuizou no Supremo Tribunal Federal (STF) a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 7909, que contesta a Resolução 256/2023 do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP), então presidido pelo ex-PGR Augusto Aras. A regra criou uma espécie de compensação financeira chamada de “licença compensatória”, paga aos procuradores do MPU quando há reconhecimento de “acúmulo de acervo”. Autuada na última semana e distribuída ao ministro Luiz Fux, a ADI pede que o STF suspenda imediatamente esse mecanismo.
Pela resolução, o “acúmulo de acervo” ocorre quando um membro do Ministério Público da União recebe mais processos, investigações ou atividades administrativas do que o usual. A partir dessa classificação, o CNMP autorizou uma licença compensatória na proporção de 3 (três) dias de trabalho para 1 (um) dia de licença, limitando-se a concessão a 10 (dez) dias por mês. E esta licença pode ser convertida em dinheiro.
Para a AGEMPU, no entanto, essa construção é artificial: a associação argumenta que lidar com variações de volume e complexidade de casos faz parte da própria função do procurador, e que criar um pagamento específico para isso é apenas uma forma de aumentar a remuneração por fora do subsídio constitucional.
Segundo a entidade, o principal problema é que a resolução criou, por ato administrativo, uma gratificação que deveria ser definida em lei. A AGEMPU destaca que a compensação, em vez de ser excepcional, acabou se tornando generalizada — “mais de 95% dos membros ativos” vêm recebendo o valor, afirma a peça. Para os autores, isso mostra que a categoria de “acúmulo de acervo” não representa uma situação extraordinária, mas apenas um argumento utilizado para justificar a remuneração extra. A peça descreve essa justificativa como uma “construção normativa artificial e indeterminada” e, em outra passagem, como uma “ficção jurídica destinada a legitimar vantagem pecuniária indevida”.
A ADI afirma que o efeito prático da resolução foi criar uma espécie de remuneração paralela. Atualmente, procuradores já recebem o subsídio — valor fixado em parcela única — que, pela Constituição, deve englobar todas as atividades do cargo, sem adicionais ou gratificações. Além disso, existe a GECO, gratificação prevista em lei para casos de substituição formal e acúmulo de funções quando o membro assume outro ofício. Para a AGEMPU, a “licença compensatória” replica o mesmo fato gerador da GECO, remunerando novamente o acréscimo de trabalho. “O fato gerador é idêntico”, diz a peça, ao criticar a tentativa de diferenciar “acúmulo de acervo” de “cumulação de ofício”. A associação afirma que a separação é meramente formal.
Outro argumento é que o CNMP classificou o pagamento como verba indenizatória, e não remuneratória, o que permitiria excluir o valor do cálculo do teto constitucional. A AGEMPU afirma, porém, que essa classificação seria equivocada, porque a compensação remunera atividades típicas do cargo — e não indeniza nenhum gasto extraordinário do membro. A peça lembra que o STF tem jurisprudência proibindo “subterfúgios remuneratórios” que se travestem de indenização para ultrapassar o teto. Hoje, somada ao subsídio, a “licença compensatória” pode representar até um terço adicional do salário do procurador; se acumulada com a GECO, pode chegar a dois terços de aumento mensal.
O impacto financeiro é outro ponto explorado pela associação. Segundo a AGEMPU, a continuidade da resolução pode gerar um custo de R$ 2,63 bilhões se o CNMP permitir pagamentos retroativos referentes ao período de 2015 a 2022 — hipótese que, segundo a entidade, está sendo considerada internamente. Para a associação, isso representa um “risco de dano de magnitude sem precedentes ao erário”, justificando a concessão de liminar para barrar imediatamente qualquer pagamento, processamento ou reconhecimento de acúmulo de acervo dentro do MPU.
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A AGEMPU também dedica espaço para justificar sua legitimidade na propositura da ação. Embora represente servidores, e não membros, a associação argumenta que os procuradores e agentes compartilham o mesmo orçamento — e que, ao concentrar recursos em benefícios para membros, o CNMP acaba provocando cortes em áreas essenciais para as atividades dos servidores. A peça lista prejuízos como redução de treinamentos, cortes em cursos de capacitação e falta de verbas para diligências.
No pedido final, a associação quer que o STF declare a Resolução 256/2023 inconstitucional e leve o tema de volta ao Legislativo. Para a AGEMPU, qualquer compensação por acúmulo de trabalho deve ser instituída por lei, com estudo de impacto orçamentário e respeito à Lei de Responsabilidade Fiscal — e não por resolução. A entidade pede ainda que o Supremo determine ao MPU que adote medidas estruturais para lidar com a falta de procuradores, em vez de usar gratificações como solução permanente para a sobrecarga de processos.
A inicial é assinada pelo advogado Fábio Fontes Estillac Gomez, do Estillac & Rocha Advogados & Associados .