Como já se sabe, a Operação Carbono Oculto investiga a entrada de recursos de organizações criminosas na economia formal. Isso ocorre não só pela compra de bens usados por seus membros, mas principalmente pelo uso do sistema financeiro para lavagem de dinheiro e pela tomada do controle de empresas de setores legítimos, como usinas de álcool, transportadoras, distribuidoras e postos de combustíveis.
Muitas vezes, os verdadeiros donos dessas empresas permanecem ocultos, por meio de fundos de investimento exclusivos, empresas de fachada e testas de ferro.
Diante desse cenário, o PL Antifacção (PL 5582/2025), apresentado recentemente pelo Ministério da Justiça e pela Advocacia-Geral da União, propõe novas medidas cautelares no processo penal. O objetivo é criar regras específicas para combater as empresas envolvidas em atividades criminosas ou que recebam recursos ilícitos de organizações ligadas ao crime.
Antes de analisar o PL, é importante distinguir três situações de envolvimento de empresas nessas situações. A primeira ocorre quando há crime cometido por funcionários dentro da empresa e ela é a vítima, como nos casos de fraude. A segunda trata de crimes praticados no curso de uma atividade legítima, mas que beneficiam a empresa, como a sonegação fiscal. A terceira, foco do Projeto de Lei, trata de empresas aparentemente legais, mas controladas por organizações criminosas e usadas para lavar dinheiro ou obter lucro com atividades ilícitas.
A proposta chega em boa hora. Até hoje, a legislação brasileira foi pensada para o bloqueio de bens de pessoas físicas envolvidas em investigações criminais, com base no Código de Processo Penal e na Lei de Lavagem de Dinheiro.
Durante a Operação Lava Jato, por exemplo, o Decreto 3.240/1941, criado para reparar crimes contra a Fazenda Pública, foi usado para bloquear ativos de empresas que se beneficiaram de esquemas investigados, mesmo que esses recursos tivessem sido adquiridos de forma legítima. A jurisprudência acabou ampliando o alcance do decreto, permitindo o bloqueio não apenas dos bens de empresas, mas também de pessoas ligadas a crimes contra o patrimônio público.
Esse bloqueio amplo, porém, pode paralisar atividades legítimas, especialmente quando o dinheiro da empresa é retido judicialmente, impedindo o pagamento de fornecedores, funcionários e tributos. A liberação desses valores depende de longos pedidos ao Judiciário e de extensa comprovação documental para manter o fluxo de caixa e as operações básicas.
Com a aprovação do PL 5582, o país passaria a ter regras processuais penais específicas para o bloqueio de bens de empresas envolvidas com o crime organizado. O texto também prevê a possibilidade de intervenção direta na gestão dessas empresas e a suspensão de contratos com o poder público.
Além das medidas já existentes, o projeto introduz a figura da intervenção judicial em pessoas jurídicas, com duração mínima de seis meses, prorrogável conforme o caso. Durante a intervenção, operações financeiras e societárias podem ser bloqueadas até a nomeação de um gestor judicial. Depois de nomeado, o gestor poderá pedir ao juiz o desbloqueio de ativos necessários para manter as atividades lícitas da empresa, sem o atual excesso de burocracia.
O gestor terá como função avaliar a viabilidade da continuidade das operações legais da empresa, instituição financeira ou fundo sob intervenção. Poderá pedir recuperação judicial ou até a liquidação, se julgar inviável sua manutenção, e deverá enviar relatórios periódicos ao juiz sobre a administração.
Alguns pontos, porém, seguem em aberto. Dada a complexidade e a duração dos processos penais envolvendo o crime organizado, o PL poderia incluir a possibilidade de venda judicial da empresa, a preço de mercado e sob supervisão do juiz, como já ocorre na Lei de Lavagem de Dinheiro em casos de bens sujeitos à deterioração ou com manutenção inviável.
Essa venda não transferiria ao comprador as sanções ligadas às condutas ilícitas anteriores, como as previstas na Lei Anticorrupção, mas manteria as obrigações normais da empresa, como tributos e encargos trabalhistas e previdenciários.
Outro aspecto ausente é a proteção ao gestor judicial. Quais garantias ele e sua família terão ao assumir o controle de uma empresa ligada ao crime? E quem pagará sua remuneração? O Estado ou a própria empresa?
O PL 5582 prevê a suspensão de contratos firmados com o poder público por empresas controladas, direta ou indiretamente, por organizações criminosas. Essa prática é comum em setores como saúde e transporte coletivo.
A proposta de intervenção empresarial trazida pelo Projeto de Lei é promissora e poderia servir também a outros casos semelhantes, evitando que empresas tenham suas operações comprometidas. Ainda assim, restam desafios práticos que só o tempo e os tribunais poderão esclarecer, caso aprovados.