A importância das instituições no caso Master

Cidade construída às pressas com base numa decisão meramente política, sem qualquer projeto institucional, econômico e até mesmo social, Brasília mais uma vez está com sua imagem associada à corrupção depois da eclosão do caso do Banco Master e o envolvimento nebuloso de seus dirigentes com membros das elites partidárias legislativas e até judiciais do Estado brasileiro.

De que valem sua festejada arquitetura, seu inovador plano urbanístico e suas elogiadas esculturas se, nos planos moral e ético, denúncias de favorecimentos, de negociatas, de manipulação de concorrências públicas, de acordos espúrios, de corrupção e de relações espúrias entre membros dos Três Poderes não saem das manchetes dos jornais?

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Se os seus órgãos de controle e fiscalização não são historicamente capazes de zelar pelo respeito às fronteiras entre interesse público e interesses privados nem de evitar que 18 Regimes Próprios de Previdência Social (RPPS) do funcionalismo público estadual e municipal continuassem investindo em letras financeiras sem cobertura do Fundo Garantidor de Créditos e permitindo com isso que seus recursos fossem apropriados por banqueiros agressivos e inescrupulosos e seus sócios?

Há quem entenda que a origem desses problemas está no modo como a cidade foi formada. A transferência da capital para Brasília não trouxe junto uma representação política forte com uma educação e uma cultura, como a que existia no Rio de Janeiro. Há quem afirme que, como a elite técnico-burocrática da administração pública tenha se recusado a deixar essa cidade cosmopolita e à beira do Atlântico para viver numa região inóspita, na década de 1960, a qualidade do padrão de gerência no setor púbico acabou sendo perdida e o problema permanece até hoje.

Também há quem retome a formação e a trajetória do Estado patrimonialista brasileiro, que se destaca por contar com uma estrutura que vive em função de si mesmo. Ou seja: uma estrutura que não se deixa limitar por poderes externos. Que detém ela própria, em caráter privativo, a prerrogativa de estabelecer regras com a parcialidade que considerar adequada a qualquer conjuntura. E que também partilha oportunidades de ganho entre “amigos dos reis”.

Na realidade, todos esses argumentos não são novos, mas procedem e se intercruzam. O que merece destaque é que, nesse contexto, há exceções. E entre elas destaca-se a firmeza com que o Banco Central se comportou fechando o Banco Master e determinando a reversão de operações fraudulentas entre ele e o Banco de Brasília (BRB).

Para tentar impedir a autoridade monetária de cumprir seu papel fiscalizador, há cerca de dois meses alguns deputados do centrão chegaram a tirar da gaveta um projeto que estava arquivado desde 2023 na Câmara, propondo alterações na Lei da Autonomia do Banco Central, em vigor desde 2021.

Além de prever a revogação dessa autonomia, o projeto concederia ao Congresso o poder de destituição da autoridade monetária. Em termos concretos, se voltar a tramitar e for aprovado, ele esvaziará a independência do Banco Central e ainda submeterá seus técnicos e diretores a pressões e até chantagens de parlamentares e banqueiros aventureiros.

O que levou esses deputados a tirar esse projeto da gaveta foram as sinalizações dadas há dois meses pelo Banco Central no sentido de que proibiria um banco estatal, o BRB, de comprar o Banco Master. Para se ter ideia da irresponsabilidade dessa iniciativa, esses deputados do centrão também entraram com um requerimento de urgência para acelerar a tramitação do projeto, pedindo ao presidente da Câmara que ele fosse votado diretamente pelo plenário, sem passar pelas comissões temáticas.

Contudo, ao afirmar que sua aprovação politizaria as decisões da autoridade monetária, comprometendo sua credibilidade e impedindo o Estado de cumprir suas funções regulatórias e fiscalizadoras do setor bancário, de manter a liquidez da moeda e de assegurar a solvibilidade do sistema financeiro, ex-presidentes do Banco Central agiram com determinação e rapidez. Alertaram o país para os riscos de descontrole da inflação e instabilidade econômica, inviabilizando assim o esvaziamento da autoridade monetária.

O que eles fizeram, em outras palavras, foi lembrar que uma das funções do Estado é justamente zelar pela segurança jurídica, blindando desse modo o Banco Central contra estratégias perversas de empreiteiros e banqueiros venais, que buscam o lucro fácil comprando “assessorias” de burocratas públicos e contando com os “serviços” de parlamentares e políticos corruptíveis.

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Ao cumprir suas funções com base nas prerrogativas concedidas pela Constituição, os atuais diretores e técnicos do Banco Central e seus antecessores confirmaram o que dizia Douglass North, ganhador do Prêmio Nobel de Economia de 1993. Segundo ele, instituições fortes e eficientes estruturam as interações políticas, econômicas e sociais e definem as “regras do “jogo”, estabilizando as expectativas e favorecendo tanto a cooperação a cooperação quanto a solução pacífica de conflitos.

É por esse motivo que a evolução institucional é tão importante quanto os avanços tecnológicos para o desenvolvimento da sociedade, dizia North. Quanto mais eficientes são as instituições, mais elas ajudam a sociedade a lidar com as incertezas e a assegurar o progresso, concluía. Com a atuação impecável de seu quadro de técnicos e diretores no caso do fechamento do Master e da reversão das operações entre ele e o BRB, o Banco Central mostrou o quanto instituições de fato importam.

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