Vale tudo nos COEs: quando o mercado financeiro ignora seus próprios limites

Os recentes casos de perdas expressivas de investidores com os Certificados de Operações Estruturadas (COEs) emitidos por instituições como Ambipar e Braskem expõem uma ferida antiga no mercado financeiro brasileiro: a assimetria de informação entre quem oferece o produto e quem investe nele.

A promessa de altos retornos, quase sempre acompanhada de uma retórica de segurança e sofisticação, mascara o verdadeiro risco embutido nesses instrumentos. A máxima “quanto maior o retorno, maior o risco” segue sendo implacável. No entanto, muitos consultores de investimento — movidos pela perspectiva de comissões generosas — acabam minimizando os riscos ou omitindo informações essenciais, amparando-se na relação de confiança construída com o cliente ao longo do tempo.

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Nesse contexto, o investidor toma decisões baseadas mais na confiança pessoal do que em uma compreensão autônoma e informada do risco. O princípio jurídico da autonomia da vontade, essencial à validade de qualquer negócio jurídico, é violado. O investidor é induzido a erro — configurando um vício de consentimento que pode ensejar a anulação do negócio e o ressarcimento integral dos prejuízos, restabelecendo-se o status quo ante.

Há, ainda, possíveis implicações penais. O artigo 171 do Código Penal define o crime de estelionato como “obter vantagem ilícita em prejuízo de outrem, induzindo-o ou mantendo-o em erro, mediante artifício, ardil ou fraude”. É difícil não enxergar semelhanças entre essa tipificação e a conduta de consultores que, deliberadamente, conduzem clientes a aplicações de alto risco sem o devido esclarecimento.

Além das responsabilidades civis e penais, o episódio evidencia uma grave quebra do princípio da boa-fé, que deve reger todas as relações contratuais. A boa-fé se manifesta no dever de lealdade, transparência e cuidado — valores negligenciados em um sistema financeiro cada vez mais voltado à maximização de lucros imediatos, mesmo às custas do consumidor.

Os órgãos reguladores — CVM, Banco Central, Procon-SP, Senacon e Ministério Público — deveriam atuar de forma exemplar. A ausência de sanções severas reforça o sentimento de impunidade e a percepção de que, no mercado financeiro, “vale tudo”. Multas expressivas e medidas corretivas firmes seriam fundamentais para reequilibrar o jogo e proteger o pequeno investidor.

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O episódio dos COEs Ambipar e Braskem deve servir de alerta. Não é possível perpetuar um sistema em que direitos fundamentais — como o da informação e o da confiança — sejam violados sem consequências. Os consumidores dispõem de instrumentos legais, judiciais e extrajudiciais, para exigir o ressarcimento integral das perdas. Mais do que recuperar valores, trata-se de restaurar a ética e a confiança em um mercado que só sobreviverá se agir de forma lícita, justa e transparente.

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