O valor mínimo que o Brasil deve investir em educação foi estabelecido pela Constituição Federal de 1988. Estados e municípios devem investir em educação 25% da receita de impostos, incluindo repasses, e a União é obrigada a investir 18%, diz o artigo 212.
Quando a Constituição foi criada, a pirâmide etária brasileira era propriamente uma pirâmide: a maior parte da população era de crianças e os números iam caindo conforme aumentava a idade. Nos últimos quase 40 anos, no entanto, o perfil da população brasileira mudou: crianças de 0 a 14 anos não são a faixa etária com maior população, mostram os dados do Censo 2022 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o último disponível. A maioria da população é composta por pessoas entre 15 e 44 anos.
Em São Paulo — onde a Constituição estadual estabelecia 30% das receitas para a educação — essa mudança populacional foi usada como justificativa para uma emenda aprovada no ano passado que permitiu que o Estado invista menos em educação e mais em saúde. Com a mudança, São Paulo passou a ter a mesma exigência do resto do país, de 25%.
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Na proposta de emenda à Constituição estadual, o governador Tarcísio de Freitas afirmou que o envelhecimento da população exige mais investimentos em saúde e propôs redirecionar, para isso, parte do orçamento destinado à educação.
“Nota-se tendência persistente de expansão dos gastos públicos com as ações e serviços de saúde no Estado, o que pode ser explicado em razão do aumento da expectativa de vida da população” escreveu o governador. “Nesse cenário, a modificação que proponho no texto constitucional é que esse percentual que sobeja o previsto no artigo 212 da Constituição Federal possa ser utilizado também para financiamento das ações e serviços de saúde.”
No ano passado, a ministra do Planejamento e Orçamento, Simone Tebet, reclamou do aumento do orçamento do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (Fundeb) de R$ 23 bilhões para R$ 46 bilhões entre 2021 e 2023. “O país gasta muito e gasta mal”, disse a ministra em um evento na Confederação Nacional da Indústria.
No entanto, os pesquisadores ouvidos pelo JOTA afirmam que o país não deveria reduzir o investimento em educação e que o momento demográfico, na verdade, pede o contrário: o aumento nos valores investidos.
Em geral, tanto a União quanto os Estados e Municípios têm respeitado o mínimo constitucional, segundo dados da Controladoria-Geral da União (CGU) e do Sistema de Informações sobre Orçamentos Públicos em Educação (Siope). Em 2024, o investimento do país na área foi de R$ 165 bilhões, acima dos 18% da receita com impostos e cerca de 5% do Produto Interno Bruto (PIB) daquele ano — metade da meta estabelecida no Plano Nacional de Educação (PNE), de 10% do PIB.
Esse gasto equivale a uma média de US$ 3,6 mil por aluno por ano (R$ 20,5 mil) — um terço do investimento médio dos países da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), que dedicam em torno de US$ 11,9 (R$ 66,5 mil) por aluno por ano, segundo o relatório Education at a Glance 2024, da própria OCDE.
Para os pesquisadores ouvidos pelo JOTA, a mudança demográfica que traz uma diminuição de crianças na pirâmide etária é uma oportunidade para ampliar o investimento por aluno mantendo o mesmo orçamento.
“O que investimos hoje é um valor baixo per capita, que precisa aumentar”, afirma Anna Helena Altenfelder, superintendente do instituto de pesquisas educacionais Cenpec, “ainda mais considerando a diferença de patamar educacional entre o Brasil e os países que já têm os seus sistemas educacionais maduros.”
Diferentemente dos países no topo da OCDE, o Brasil ainda está expandindo o seu sistema educacional, explica Altenfelder, tanto em termos de acesso quanto em estrutura e qualidade do ensino.
Foi só em 2019 que o Brasil atingiu o patamar de mais de 50% da população maior de 25 anos com o ensino médio completo, de acordo com dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) do IBGE. Isso significa que cerca de 67 milhões de adultos não tiveram acesso ao ensino básico (ensino fundamental e médio) completo.
E embora o país tenha 99,5% de crianças entre 6 e 14 anos na escola (índice que já é considerado universalização), o índice cai para o ensino médio, com 93,4% da população entre 15 e 17 anos na escola, de acordo com o cruzamento de dados entre o Censo Escolar 2025 e a PNAD.
Para o especialista em financiamento da educação Valdoir Wathier, pesquisador da Universidade Católica de Brasília, o Brasil precisa de um impulso de investimento para dar um salto qualitativo na educação.
“O que investimos hoje é eficiente para nos mantermos à mesma distância em que estamos hoje dos países desenvolvidos”, afirma Wathier. “Se quisermos nos aproximar e diminuir minimamente essa distância, precisamos de um investimento maior.”
Mais investimento per capita
Os pesquisadores dizem que é preciso mais investimento per capita para diminuir a desigualdade no Brasil. “A média de investimento em educação pode refletir a realidade de alguns municípios, mas não de todos”, afirma Altenfelder.
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Mesmo com o Fundeb, que distribui as receitas entre os municípios e Estados brasileiros a partir de uma cesta comum de impostos, diminuindo a desigualdade, a diferença de investimento por aluno no Brasil pode variar entre R$ 8 mil por ano por aluno a R$ 80 mil, afirma Wathier, que também é servidor público federal de carreira e, desde 2024, diretor de monitoramento na Secretaria de Educação Básica (SEB) do Ministério da Educação. “Se não fosse o Fundeb, a diferença seria de R$ 3 mil a R$ 80 mil”, afirma.
E para reduzir a desigualdade, diz ele, é preciso um aporte de verbas, uma vez que não é uma possibilidade fiscal retirar verbas das redes que hoje recebem mais. Além disso, o Fundeb, continua, distribui as verbas pelo número de matrículas e, para municípios muito pequenos, ampliar o acesso (e portanto os fundos) exige um salto de investimento.
“Para um município pequeno, criar uma pré-escola, por exemplo, vai exigir um investimento que muitas vezes ele não tem condição de fazer e para o qual ele não vai receber nada do Fundeb, porque ainda não tem as matrículas”, diz o pesquisador.
“Ainda falta muita infraestrutura educacional no Brasil. Se você olhar para qualquer setor da indústria, as pessoas entendem com facilidade que existe um custo de entrada, um custo inicial. Mas em educação, se esquece disso”, afirma Wathier.
Altenfelder lembra que muitas escolas não têm o básico, desde a estrutura física até material didático.
Um exemplo é o fato de que quase 10% das escolas do país não possuem acesso à saneamento básico via rede pública de esgoto ou fossa séptica. Em 3,1% das escolas não existe sequer banheiro dentro do prédio, de acordo com o Censo Escolar 2024.
O acesso à internet também é desigual: embora a maioria (94,2%) tenha acesso à internet para fins administrativos, a internet de banda larga não é acessível para uso pedagógico dos alunos em 36,9% das escolas, especialmente nas redes municipais e na região Norte do país. Quase metade das escolas públicas (47,7%) do país não possuem laboratório de informática.
Para Wathier, é preciso olhar não só para o valor que os países desenvolvidos investem hoje para manter o seu sistema educacional, mas o quanto foi aplicado no momento em que os países tiveram sua “virada”, ou seja, que conseguiram ampliar a qualidade e o acesso da educação.
Fortalecimento da docência
O salto educacional passa também pela valorização dos professores, afirma Claudia Costin, com a contratação de professores para o tempo integral, melhora na formação e no salário.
“O Brasil paga muito menos ao professor em comparação com outros países, diferença que fica ainda maior se calcularmos o poder de compra”, diz Costin.
Segundo o Education at a Glance, da OCDE, o Brasil está muito abaixo da média dos países em salário anual dos professores da rede pública. Mesmo em outros países abaixo da média, o Brasil perde na comparação — professores na Coreia do Sul, por exemplo, ganham o dobro do que os professores brasileiros em todas as etapas da carreira.
“Se o Brasil não resolver os problemas que explicam a baixa atratividade da carreira, nunca vamos conseguir melhorar nos índices educacionais”, afirma a pesquisadora, que aponta que o país também vai ficar para trás em uma economia global que cada vez depende mais de inovação tecnológica se reduzir o investimento em educação.
“Falamos muito da questão dos direitos, mas educação também dá retorno econômico”, diz ela. “Com a Inteligência Artificial substituindo tantos postos de trabalho, precisamos de uma mão de obra cada vez mais qualificada para ocupar os novos postos que vão abrir, que vão exigir formação.”
Quanto à ideia de que o Brasil “gasta muito e gasta mal”, como disse Tebet, pesquisadores criticam a colocação de maior investimento e melhor gestão como se houvesse uma dicotomia.
“Não é uma coisa ou outra”, diz Altenfelder. “Sim, precisamos de melhor gestão, com certeza. Mas também precisamos de mais investimento, não gastamos muito. Os valores podem parecer altos em absoluto, mas não são suficientes quando se olha para o tamanho e a situação da rede educacional no Brasil e o comparativo com a OCDE.”
Wathier afirma que o argumento da gestão costuma ser trazido sempre que se fala em investimento para reduzir a desigualdade. “Sim, vamos cobrar gestão. Mas de quem tem muito recurso há muito tempo. Não dos lugares que precisam de aporte.”
“A gestão fica muito comprometida sem o investimento necessário”, afirma Costin.
Passivo de adultos sem educação básica
Existe um outro fator que diferencia o Brasil: não são só as crianças e adolescentes que precisam de educação básica no país. Há pelo menos 67 milhões de adultos que não completaram o ciclo do ensino básico.
Isso faz com que, mesmo com uma mudança demográfica, não possamos diminuir o investimento, como fazem países desenvolvidos que estão envelhecendo, afirma Claudia Costin, do Instituto Singularidades.
“Temos um passivo enorme de adultos que não completaram o ensino básico, que não estudaram quando crianças e precisam estudar agora”, afirma Costin.
Isso implicaria, diz Costin, também em uma melhora na qualidade da educação das crianças e adolescentes porque pesquisas apontam que o que mais influencia o desempenho educacional de uma criança é o nível de escolaridade da mãe.
Wathier concorda. “Em geral, existe muita divergência sobre qual critério é mais importante. Mas se tem um ponto em que todas as pesquisas e pesquisadores convergem é sobre isso: o nível de escolaridade dos pais, especialmente o da mãe, é o que mais influencia o sucesso educacional de uma criança”, diz ele.
Para o pesquisador, que trabalhou diretamente com Educação de Jovens e Adultos (EJA), o sucesso dessa educação de adultos depende também de integração com programas sociais de inserção no mercado de trabalho, o que também exige investimento.
Janela de oportunidades
Com a maior parte da população hoje em idade economicamente ativa, o Brasil está em seu último momento demográfico que permite um investimento estruturante em educação, afirma Wathier.
Para ele, o Brasil não deveria apenas não diminuir o investimento, mas aproveitar o momento para dar um salto qualitativo.
“Estamos em uma etapa muito favorável para fazer esse salto. Se a gente deixa o momento passar, não teremos mais condição, porque as próximas gerações vão ter uma população economicamente ativa menor para custear não só a educação, mas também custear políticas da terceira idade, que será uma camada cada vez maior da população”, diz ele.
É justamente a geração de crianças que está entrando agora na escola que vai ter que sustentar esse duplo peso, diz ele, o torna ainda maior a necessidade de uma formação mais ampla.
“Vai ter algum momento em que o Brasil vai ter, sim, que investir menos com a mudança demográfica, mas esse momento não é agora”, diz ele. “E se o país quiser chegar a essa etapa em uma situação mais confortável, vai precisar investir mais enquanto ainda tem a maior parte da população em condição de sustentar esse aumento.”