A complexidade dos projetos industriais e de infraestrutura impulsionou a especialização e a segmentação dos serviços de engenharia. Nesse contexto, o contrato de “supervisão de montagem” emerge como uma ferramenta cuja ausência natureza e limites são frequentemente mal definidos no instrumento assinado, podendo gerar insatisfação, incertezas e prejuízos para as partes envolvidas.
Na ausência de um tipo legal, a “supervisão de montagem” encontra seu paralelo mais próximo na “fiscalização de obras“, atividade reconhecida no âmbito de obras públicas que “envolve a inspeção e o controle técnico-sistemáticos do processo“[1], com o objetivo de assegurar que a execução obedeça ao projeto, às normas técnicas à legislação e ao contrato.
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A supervisão de montagem pode ser definida como um contrato de prestação de serviços técnicos especializados cujo objeto é a verificação sistemática da conformidade da montagem de equipamentos, sistemas ou plantas industriais em relação a um projeto de execução, especificações técnicas, normas de segurança e qualidade previamente definidos.
Ela não deve ser confundida com outros serviços correlatos, em especial o gerenciamento. Esses termos, por vezes utilizados de forma intercambiável, representam escopos de atuação, responsabilidade e remuneração distintos.
O gerenciamento é atividade mais ampla e estratégica. Envolve o planejamento integral do projeto, a tomada de decisões críticas, o controle orçamentário, a gestão de suprimentos e a garantia de que as metas gerais do empreendimento sejam atingidas.
A supervisão, por sua vez é focada especificamente na execução técnica no local da montagem. Seu foco não é a estratégia global, mas a verificação da conformidade técnica e da qualidade do que está sendo executado.
A falta de clareza contratual frequentemente cria um perigoso “vácuo de escopo“. O contratante, ao se deparar com problemas como atrasos do montador ou falhas de coordenação, pode erroneamente esperar que a empresa de supervisão assuma funções de gerenciamento. Mas o escopo da supervisão de montagem, não contempla essas atividades de maior complexidade e risco.
A supervisão consiste em verificar e reportar, não em gerir a totalidade do projeto e o instrumento contratual é a primeira e mais importante fonte para identificação e delimitação das responsabilidades da empresa de supervisão.
Trata-se de contrato de prestação de serviços no qual a empresa contratada tem uma obrigação de meio e não de resultado. O compromisso é com o emprego de seu conhecimento técnico e diligência para tentar alcançar o resultado, mas não se compromete com o resultado em si. A empresa de supervisão não garante que a montagem será perfeita; ele se obriga a empregar toda a sua expertise técnica para fiscalizar o processo, identificar desvios e comunicar ao contratante de forma diligente.
O foco de qualquer discussão sobre responsabilidade da supervisão não é se ocorreu um atraso na montagem, mas se a empresa agiu com a diligência e a perícia técnica esperadas ao reportar falhas na montagem e isso transforma a documentação interna (relatórios, e-mails, atas de reunião) em um ativo jurídico de valor inestimável em caso de litígio.
Verificação técnica, monitoramento, comunicação
A verificação técnica é a obrigação primária do contrato de supervisão. A empresa deve inspecionar e controlar tecnicamente o processo de montagem para garantir sua conformidade com os documentos do projeto. Este dever se desdobra em várias atividades concretas, tais como verificar se os materiais e equipamentos utilizados pelo montador correspondem ao que foi especificado no projeto, assegurar que os procedimentos de montagem sigam as recomendações do fabricante e as boas práticas de engenharia etc.
É um papel ativo que exige a presença de mão de obra qualificada no local para identificar não conformidades que poderiam passar despercebidas por um leigo.
É fundamental compreender o limite do dever da empresa de supervisão. Ela não é a responsável pelo processo de montagem ou pelo cronograma, que são obrigações de resultado do montador. A obrigação de meio da supervisão é monitorar, identificar desvios ou riscos e comunicar esses fatos ao contratante.
A obrigação mais crítica e frequentemente subestimada talvez seja o dever de comunicação. A empresa de supervisão atua como os “olhos e ouvidos técnicos” do contratante e qualquer não conformidade deve ser formalmente comunicada. Caso um problema grave seja detectado e não comunicado, a empresa terá falhado em seu dever principal podendo ser responsabilizada.
Mas a função da supervisão não é emanar ordens para o montador, ao identificar uma não conformidade ela deve reportá-la ao contratante, que, na sua posição de dono da obra, possui a prerrogativa contratual de exigir que o montador corrija o problema.
Portanto, o instrumento contratual e atuação do supervisor devem se ater ao ciclo: Verificar -> Identificar Desvio -> Reportar ao Contratante. A ação corretiva é uma relação contratual entre o contratante e o montador.
Responsabilidade por informações fornecidas pelo contratante
O contratante fornece dados técnicos de partida que se revelam incorretos ou imprecisos, levando a problemas na montagem. A questão é se o supervisor, que também recebeu essa informação, teria o dever de tê-la verificado ou identificado o erro.
Na ausência de previsão contratual, o princípio geral é que a contratada aceite como verdadeiras as informações prestadas pela contratante e parta da premissa de que os dados são corretos e adequados.
Não se espera que o supervisor refaça um estudo de solo ou valide todos os cálculos de engenharia do projeto básico, isso extrapola seu escopo. Contudo, se a informação fornecida contiver um erro flagrante, óbvio e grosseiro, pode surgir o dever de questionar.
A responsabilidade, neste caso, não decorre do dado incorreto em si, mas da omissão do supervisor em alertar o contratante sobre uma inconsistência evidente.
Responsabilidade subjetiva e ônus da prova
A responsabilidade civil na supervisão é, em regra, subjetiva. Não basta a mera ocorrência de um problema na montagem para que o supervisor seja responsabilizado. É necessário a demonstração de uma falha no dever de diligência e de um nexo causal com o dano.
Um dos pontos mais estratégicos nos litígios sobre supervisão reside no ônus da prova que, de maneira geral, compete a quem faz a alegação. Assim, um contrato bem estruturado é essencial para que a regra de distribuição do ônus probatório não seja causa de decisões injustas para as partes envolvidas.
As empresas não devem adotar uma postura meramente passiva ou defensiva. A estratégia mais eficaz é proativa: construir e manter um registro documental completo, sistemático e detalhado, impossibilitando que uma alegação infundada de falha satisfaça o seu ônus probatório.
Considerações finais e recomendações
A maior parte das disputas em contratos de supervisão de montagem não decorre da complexidade da lei, mas da utilização de instrumentos contratuais genéricos que se limitam a nomear o serviço como “supervisão de montagem“, sem delimitar escopo e responsabilidades, e da falta de documentação das comunicações feitas pelas empresas.
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Para evitar insegurança jurídica, a melhor alocação de recursos não é na defesa de litígios, mas na prevenção por meio do registro documental e da clareza contratual, com cláusulas que detalhem o objeto, prevejam os canais de comunicação, definam obrigações e limitem responsabilidades, com uma matriz de riscos bem definida, clara e condizente com os serviços que estão sendo contratados.
A adoção de um instrumento contratual preciso e uma disciplina operacional rigorosa de documentação e comunicação são as melhores maneiras para que a empresa de supervisão passe a ter uma postura proativa e segura e evite litígios desnecessários.
[1] “Resolução Confea 1.010/2005)