Uma tendência que vem ganhando espaço no setor de saúde suplementar é a de hospitais que decidem estruturar seus próprios planos de saúde. A prática não é inédita, mas ganha relevância diante do cenário atual de verticalização das grandes operadoras, dificuldades de credenciamento e retração da cobertura em diversas regiões, reposicionando seu papel no ecossistema.
Do ponto de vista jurídico, hospitais que estruturam planos de saúde estão submetidos às mesmas exigências previstas na Lei 9.656/1998 e nas regulamentações expedidas pela Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) para as demais empresas do setor: ambos devem obter autorização de funcionamento, cumprir requisitos de solvência e garantir a cobertura mínima estabelecida no rol de procedimentos da ANS.
Com notícias da Anvisa e da ANS, o JOTA PRO Saúde entrega previsibilidade e transparência para empresas do setor
Trata-se de um desafio nada trivial: ao se lançar como operadora, o hospital deve fazer frente a um complexo conjunto de obrigações regulatórias e financeiras, em relações às quais sua expertise assistencial tem pouca ou nenhuma utilidade.
Em termos regulatórios, o movimento pode ser interpretado como resposta ao avanço da verticalização no setor. Grandes grupos, como Hapvida e Rede D’Or, vêm estruturando redes próprias de hospitais, consultórios e laboratórios.
Para hospitais independentes, especialmente aqueles com marca consolidada regionalmente, a criação de um plano próprio representa uma forma de proteger o acesso de seus pacientes diante da eventual priorização de redes exclusivas pelas operadoras. A lógica é defensiva: se o credenciamento se torna mais restrito, controlar a própria porta de entrada por meio de um convênio médico pode assegurar a sustentabilidade.
É importante ressaltar que a verticalização não é um processo imune a críticas. Uma delas é o risco de concentração de mercado em determinadas regiões, na hipótese em que hospitais relevantes passem a direcionar pacientes apenas para suas próprias operadoras, cabendo à ANS e ao Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) acompanhar de perto essas condutas e reprimir infrações à concorrência.
Outro ponto é o latente conflito de interesse existente nesse modelo de negócio: a integração entre prestação de serviços e gestão do risco financeiro exige mecanismos de transparência, controle de custos e qualidade assistencial, a fim de assegurar que o desfecho clínico esperado pelo paciente não seja impactado pelo resultado econômico perseguido pela operadora/hospital.
Ainda assim, não se pode ignorar os benefícios potenciais. O hospital que conhece profundamente o perfil epidemiológico de sua comunidade pode, como operadora, investir em gestão de saúde preventiva e reduzir a sinistralidade, como demonstra a experiência do Hospital Moinhos de Vento em Porto Alegre, que registra queda expressiva de custos após implantação de plano voltado a funcionários e dependentes. Em outras palavras, se bem conduzido, o modelo pode alinhar eficiência assistencial e sustentabilidade econômica.
No plano institucional, cabe destacar a posição cautelosa da Abramge, entidade que congrega as operadoras de planos de saúde. Como afirmou seu presidente, Gustavo Ribeiro, embora notícias recentes deem visibilidade a hospitais que lançaram seus próprios convênios, não há evidências de que esse seja um movimento estrutural ou dominante do mercado. Trata-se de iniciativas pontuais, em geral concentradas em grupos hospitalares de maior porte e em determinadas regiões.
A lembrança é pertinente: o setor de saúde suplementar brasileiro é vasto e heterogêneo, com mais de 600 operadoras de diferentes perfis, o que desaconselha generalizações apressadas.
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Em síntese, a entrada de hospitais no mercado de planos de saúde reforça a complexidade do ecossistema regulado pela ANS. Mais do que um deslocamento de fronteiras entre prestadores e operadoras, o fenômeno é um sinal da necessidade de adaptação às transformações concorrenciais e regulatórias.
A prudência recomendada pela Abramge é, portanto, essencial: entender esses casos como experiências a serem observadas, e não como um paradigma consolidado, permite analisar seus impactos de forma equilibrada, preservando o pluralismo e a segurança jurídica que caracterizam a saúde suplementar brasileira.