Menopausa: o desafio invisível que exige políticas públicas integradas

A menopausa, etapa natural da vida da mulher, continua negligenciada no Brasil. Estima-se que quase 30 milhões de brasileiras já estejam nesse processo, segundo dados do Ministério da Saúde [1]. Apesar disso, 43% delas seguem sem acesso a cuidados adequados [2] diante do climatério, que compreende a perimenopausa, a menopausa e a pós-menopausa. A realidade mostra que falta a menopausa ganhar status de prioridade, com protocolos clínicos, campanhas educativas e garantia de acesso ao tratamento, seja com terapias não hormonais ou hormonais.

A condição provoca alterações hormonais capazes de comprometer o bem-estar físico, emocional e social. É comum as mulheres enfrentarem sintomas como ondas de calor, insônia, perda óssea, dificuldades de memória e até queda de produtividade no trabalho, o que pode resultar em impacto econômico e social [3].

Outra informação relevante é que 66% acreditam que a menopausa e seus sintomas não são levados a sério, como aponta o estudo Menopause Experience & Attitudes, realizado em seis países e com a participação de 13.800 entrevistados, sendo 2.300 brasileiros. Esse número sobe para 72% entre brasileiras que já vivenciam a menopausa, valor próximo da média global (75%) entre as mulheres que possuem experiência pessoal com a menopausa [4].

“A menopausa é uma questão que não pode ser ignorada, mas ainda está envolvida em silêncio e mal-entendidos, sendo que o ônus imposto na saúde e qualidade de vida das mulheres é enorme”, comenta Thaís Ushikusa, ginecologista e diretora de Assuntos Médicos da Astellas no Brasil.

Apesar da importância do tema, a negligência na menopausa é histórica. A saúde feminina, em grande medida, foi reduzida ao ciclo reprodutivo, relegando o período da menopausa a um lugar secundário [5]. Entretanto, o debate vem ganhando espaço na Saúde, entre especialistas, e até no Congresso.

Em 2024, por exemplo, o Projeto de Lei 4.504/2024, que cria a Política Nacional de Atenção Integral à Saúde e Qualidade de Vida de Mulheres na Menopausa [6], passou a ser analisado. O texto busca ampliar direitos e garantir atendimento humanizado e especializado no Sistema Único de Saúde (SUS).

Relatora da proposta, a deputada Daniela Carneiro (União-RJ) defende que o projeto representa um marco para incluir a menopausa de forma efetiva na agenda pública de saúde. “O maior desafio é romper com o silêncio histórico que existe em torno da menopausa. Por muito tempo, esse tema foi invisibilizado, tratado apenas como uma questão clínica ou até mesmo tabu”, afirma a parlamentar ao Estúdio JOTA.

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A deputada ressalta que o PL 4.504/2024 ajuda a enxergar a saúde feminina de forma ampla, incorporando aspectos físicos, emocionais e sociais. Entre as ações previstas estão programas de apoio psicossocial, grupos de acolhimento e prevenção de doenças relacionadas, como osteoporose e cardiovasculares[7].

Outro ponto central, segundo Daniela Carneiro, é fortalecer a Atenção Básica do SUS, porta de entrada do sistema, para que protocolos clínicos claros sejam implementados. Isso inclui capacitar médicos, enfermeiros e agentes comunitários para identificar sintomas, orientar pacientes e oferecer acompanhamento humanizado [8].

“A menopausa é cercada de desinformação e mitos, e isso dificulta a busca de apoio por parte das mulheres. Além de informação, considero urgente capacitar equipes de saúde porque quando unimos informação, diagnóstico precoce e acompanhamento contínuo, conseguimos tratar sintomas e promover qualidade de vida”, reforça.

O caminho das políticas públicas

Enquanto a proposta nacional ainda tramita, estados e municípios já começam a dar passos nessa direção. Em 2024, São Paulo aprovou a primeira Política Estadual de Atenção Integral à Saúde das Mulheres na Menopausa, garantindo acesso a medicamentos, exames diagnósticos e acompanhamento multiprofissional [9]. Municípios também instituíram ou discutem leis locais para estruturar programas de acolhimento e atendimento contínuo.

Essas iniciativas locais dialogam com outras políticas públicas já consolidadas no Brasil. No âmbito federal, por exemplo, a Política Nacional de Atenção Integral à Saúde da Mulher (PNAISM) já orienta ações que vão além do ciclo reprodutivo, considerando todas as fases da vida feminina [1]. “Temos trabalhado, desde o ano passado, no processo de escuta de mulheres com gestoras de estados e municípios que conduzem as áreas técnicas de mulheres na intenção de fortalecer essa política, que norteia de forma atual como devemos trabalhar no SUS”, comenta Renata Souza Reis, coordenadora-geral de Atenção à Saúde das Mulheres do Ministério da Saúde, em evento na Casa JOTA.

Nesse contexto, Renata recorda a trajetória da política brasileira ao afirmar que a política nacional de atenção integral à saúde das mulheres completou duas décadas no ano passado. Mesmo antes, segundo ela, o tema estava integrado ao Programa de Atenção Integral à Saúde das Mulheres (PAISM), que rompia com a lógica do materno-infantilismo, sinalizando a necessidade de integralidade no cuidado à saúde das mulheres.

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“Já se falava em saúde sexual e reprodutiva, atenção à transição menopausal e à perimenopausa, além dos cânceres ginecológicos e de mama. Essa política evoluiu e hoje seguimos trabalhando, com apoio da Fiocruz Brasília e das gestoras estaduais e municipais, para fortalecer a escuta de mulheres e atualizar diretrizes.”

Segundo Renata, a agenda atual inclui iniciativas como a atualização do Manual do Climatério do Ministério da Saúde, em parceria com a Sociedade Brasileira de Climatério (SOBRAC) e a Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia (Febrasgo), além do lançamento de um curso virtual auto-instrucional para profissionais da atenção primária, previsto para setembro, sobre cuidados na transição menopausal e perimenopausa. Também está em andamento uma mostra virtual de boas práticas, reunindo experiências de gestores, movimentos sociais e profissionais de saúde em todo o país, valorizando inclusive o papel de enfermeiros e enfermeiras na linha de frente.

“Estamos produzindo alternativas inovadoras para ajudar a desmistificar os preconceitos associados a essa fase da vida. Assim como a adolescência e a gestação são períodos fisiológicos que exigem cuidados específicos, também a menopausa e a perimenopausa requerem atenção dedicada. Nosso objetivo é produzir saúde, vida e dignidade para as mulheres, não apenas por compromisso social, mas porque temos responsabilidade ética de sermos garantidores de direitos”, adianta.

Também presente na Casa JOTA, no encontro patrocinado pela Astellas, Nilson Roberto de Melo, presidente da SOBRAC, enfatiza a necessidade da disponibilização de medicamentos no SUS. “Há uma dificuldade na hora do tratamento no sistema público por falta de medicamento. Infelizmente, médico fica sem muitas opções para melhorar os sintomas da menopausa.”

Outros programas voltados à saúde das mulheres, como a Rede Cegonha [10], o Programa Nacional de Controle do Câncer do Colo do Útero e de Mama [3] e o Programa Dignidade Menstrual [11] já mostraram como políticas temáticas conseguem reorganizar a rede de atenção.

Há exemplos ainda nos estados, como o Mulheres de Peito, em São Paulo, que leva mamografias gratuitas inclusive em unidades móveis [12], e o Mãe Coruja Pernambucana, política que integra saúde, assistência social e educação no cuidado de gestantes e crianças [13]. No plano municipal, Curitiba criou linhas de cuidado específicas para a saúde da mulher [14], enquanto Recife estruturou uma rede de atenção integral com foco na prevenção e acolhimento [15].


Referências

MINISTÉRIO DA SAÚDE. Política Nacional de Atenção Integral à Saúde da Mulher (PNAISM). Brasília: Ministério da Saúde, 2022. Disponível em: https://www.gov.br/saude/pt-br/assuntos/saude-de-a-a-z/saude-da-mulher/pnaism. Acesso em: 27 ago. 2025. 
SOCIEDADE BRASILEIRA DE CLIMATÉRIO (SOBRAC). Relatório sobre saúde da mulher na menopausa no Brasil. São Paulo: SOBRAC, 2023.


NORTH AMERICAN MENOPAUSE SOCIETY (NAMS). Menopause Practice: A Clinician’s Guide. 8. ed. Mayfield Heights: NAMS, 2023.


ASTELLAS. Estudo Menopause Experience & Attitudes. São Paulo: Astellas Farma Brasil, 2023. Disponível em: https://www.astellas.com/br/pt-br/news/11596. Acesso em: 27 ago. 2025.


ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA SAÚDE (OMS). Women’s health across the life course. Geneva: WHO, 2022.


CÂMARA DOS DEPUTADOS. Projeto de Lei nº 4.504/2024. Brasília: Câmara dos Deputados, 2024. Disponível em: https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=2380531. Acesso em: 27 ago. 2025.


MINISTÉRIO DA SAÚDE. Diretrizes para o cuidado à saúde da mulher no climatério. Brasília: Ministério da Saúde, 2023. Disponível em: https://www.gov.br/saude/pt-br/assuntos/saude-de-a-a-z/saude-da-mulher. Acesso em: 27 ago. 2025. 
ORGANIZAÇÃO PAN-AMERICANA DA SAÚDE (OPAS). Atenção primária em saúde e saúde da mulher. Washington: OPAS, 2021. 
GOVERNO DO ESTADO DE SÃO PAULO. Lei Estadual nº 17.950, de 27 de dezembro de 2024. São Paulo: Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo, 2024. Disponível em: https://www.al.sp.gov.br/norma/209125. Acesso em: 27 ago. 2025.


MINISTÉRIO DA SAÚDE. Rede Cegonha: diretrizes de implementação. Brasília: Ministério da Saúde, 2011. Disponível em: https://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/rede_cegonha_diretrizes_operacionais.pdf. Acesso em: 27 ago. 2025.


MINISTÉRIO DA SAÚDE. Programa Dignidade Menstrual: balanço 2024. Brasília: Ministério da Saúde, 2024. Disponível em: https://www.gov.br/saude/pt-br/assuntos/noticias/2024/janeiro/programa-dignidade-menstrual-beneficiou-2-1-milhoes-de-mulheres-em-situacao-de-vulnerabilidade. Acesso em: 27 ago. 2025.


GOVERNO DO ESTADO DE SÃO PAULO. Programa Mulheres de Peito. São Paulo: Governo do Estado, 2023. Disponível em: https://www.saopaulo.sp.gov.br/ultimas-noticias/programa-mulheres-de-peito-oferece-mamografia-gratuita/. Acesso em: 27 ago. 2025.


GOVERNO DE PERNAMBUCO. Programa Mãe Coruja Pernambucana. Recife: Governo do Estado, 2021. Disponível em: https://www.saude.pe.gov.br/mae-coruja-pernambucana/. Acesso em: 27 ago. 2025.


PREFEITURA DE CURITIBA. Saúde da Mulher. Curitiba: Prefeitura Municipal, 2023. Disponível em: https://www.curitiba.pr.gov.br/noticias/saude-da-mulher/66459. Acesso em: 27 ago. 2025. 
PREFEITURA DO RECIFE. Rede de Atenção à Saúde da Mulher. Recife: Prefeitura Municipal, 2022. Disponível em: https://www2.recife.pe.gov.br/servico/rede-de-atencao-saude-da-mulher. Acesso em: 27 ago. 2025.

MAT-BR-NON-2025-00193 Setembro/2025

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