‘Divisor de águas na história do Brasil’, diz Barroso sobre julgamento de Bolsonaro no STF

Após a proclamação do resultado do julgamento sobre a tentativa de golpe de 2022, o presidente da 1ª Turma, Cristiano Zanin, passou a palavra ao presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Luís Roberto Barroso, que não íntegra a turma, mas participou do final da sessão desta quinta-feira (11/9). Barroso disse que não cabia a ele fazer qualquer julgamento de mérito, mas quis estar presente, como presidente do Tribunal, no encerramento desse “julgamento simbólico”.

Barroso afirmou que o julgamento foi “paradigmático e divisor de águas na história do Brasil”. Na visão do ministro, foi um julgamento público, transparente, com respeito ao processo legal e baseado em provas.

O presidente do STF cumprimentou o procurador-geral da República, Paulo Gonet Branco, “pelo trabalho meticuloso e criterioso” como titular da ação penal. Também parabenizou o ministro Zanin pela condução do julgamento, assim como o ministro Alexandre de Moraes, pelo “trabalho hercúleo” como relator da ação.

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“As compreensões contrárias fazem parte da vida, mas só o desconhecimento profundo dos fatos ou uma motivação descolada da realidade, encontrará neste julgamento algum tipo de perseguição política. A vida, no entanto, é plural, assim como também é este Tribunal”, afirmou o presidente.

O ministro disse que pensamento divergente só existe nas ditaduras. Para ele, na vida democrática, antes da ideologia e das diferentes visões de mundo, tem de existir o compromisso com as regras do jogo, com as instituições e com os resultados eleitorais. “Essa é a mensagem mais importante desse julgamento”, afirmou Barroso.

“O Tribunal cumpriu a importante e histórica missão de julgar, com base em evidências às quais todos têm acesso, importantes autoridades civis e militares pela tentativa de golpe de Estado”. Antes de encerrar a sessão, o presidente do Supremo ainda ressaltou que “ninguém sai feliz” do julgamento, mas que é preciso cumprir com coragem e serenidade “as missões que a vida nos dá”.

Barroso terminou sua manifestação professando o desejo de que o Brasil esteja “virando uma página” e de que seja possível “reconstruir relações, pacificar o país e trabalhar por uma agenda comum verdadeiramente patriótica, com as divergências naturais da democracia, mas sem intolerância, extremismo ou incivilidade”. Além de Barroso, o ministro Gilmar Mendes, decano da Corte, também esteve presente na sessão desta quinta-feira (11/9).

A condenação de Bolsonaro

Na sessão desta quinta-feira (11/9), a 1ª Turma condenou o ex-presidente Jair Bolsonaro a 27 anos e 3 meses de prisão por tentativa de golpe de Estado no Brasil em 2022. O placar ficou em 4 a 1 pela condenação.

Dessa forma, os ministros entenderam que Bolsonaro cometeu os crimes de liderança de organização criminosa armada, tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito, crimes de golpe de Estado, dano qualificado pela violência e grave ameaça, contra o patrimônio da União, e com considerável prejuízo para a vítima e deterioração de patrimônio tombado.

Todos os réus ficam inelegíveis por 8 anos após o cumprimento da pena. Eles também foram condenados, de forma solidária a pagar o valor mínimo indenizatório a título de danos morais coletivos na quantia de R$ 30 milhões, de forma solidária, assim como todos os réus do 8 de janeiro.

A ministra Cármen Lúcia e o ministro Cristiano Zanin aderiram aos votos do relator, Alexandre de Moraes, e do ministro Flávio Dino, pela condenação de Jair Bolsonaro e aliados do núcleo crucial da tentativa de golpe. O ministro Luiz Fux foi o único a divergir e votou pela absolvição de Bolsonaro ao alegar falta de conexão dos fatos com o ex-presidente e falar que a condenação poderia abrir “um gravíssimo precedente” para a responsabilização de agentes políticos diante de imputação genérica.

“[Ficou] comprovado pela PGR (Procuradoria-Geral da República) que Bolsonaro praticou os crimes imputados a ele, na condição de líder da organização criminosa: propagação, instrumentalização do Estado, cooptação de militares, planejamento de atos de neutralização e instigação das manifestações. O que mais se alega é que não há, formalmente, assinatura. Até onde a gente algum conhecimento da história, passar recibo em cartório não é exatamente o que acontece nesses casos. Ele não foi tragado; ele é o causador, o líder da organização”, disse a ministra.

Já Zanin considerou que a acusação imputada a Bolsonaro não é baseada apenas na delação de Mauro Cid, ex-ajudante de ordens do ex-presidente, mas em manifestações públicas de Bolsonaro, nas quais “o esgarçamento das relações institucionais se apresentava como estratégia política populista”.

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Para Zanin, o objetivo central da organização criminosa era assegurar a permanência de Jair Bolsonaro no poder, seja qual fosse o método criminoso a ser utilizado. O ministro afirmou que as provas apontam o ex-presidente como líder do grupo e principal beneficiário das ações. “A prova documental indica que todos procuravam a ele se reportar, e o que se via era justamente a permanência no poder do ex-presidente, e não de outra pessoa, como seu ajudante de ordens ou qualquer outro membro da organização criminosa apresentada pela Procuradoria-Geral da República”, disse.

Segundo Zanin, a prova dos autos da denúncia da PGR também permite concluir que os acusados pretendiam romper com o Estado Democrático de Direito, valendo-se da concitação expressa a um desejado uso do poder das Forças Armadas.

O único ministro que divergiu foi Luiz Fux, que votou pela condenação apenas dos réus Mauro Barbosa Cid e Walter Souza Braga Netto. Fux votou pela absolvição de Bolsonaro ao alegar falta de conexão dos fatos com o ex-presidente e falar que a condenação poderia abrir “um gravíssimo precedente” para a responsabilização de agentes políticos diante de imputação genérica.

Houve unanimidade, porém, na condenação de Mauro Cid e Braga Netto por abolição do Estado Democrático de Direito. Também houve maioria pela condenação por tentativa de golpe de Alexandre Ramagem, ex-diretor da Abin; Almir Garnier, ex-comandante da Marinha; Anderson Torres, ex-ministro da Justiça; Augusto Heleno, ex-ministro do GSI; Mauro Cid, ex-ajudante de ordens da Presidência, e Paulo Sérgio Nogueira, ex-ministro da Defesa.

Defesa de Bolsonaro diz que recebeu a condenação ‘com respeito’

Em nota, os advogados Celso Vilardi e Paulo Cunha Bueno, responsáveis pela defesa do ex-presidente Bolsonaro, afimarar receber a decisão da 1ª Turma do STF com respeito. Contudo, afirmaram também que não podem deixar de manifestar “profunda discordância e indignação com os termos da decisão majoritária”.

“Nesse sentido, continuaremos a sustentar que o ex-presidente não atentou contra o Estado Democrático, jamais participou de qualquer plano e muito menos dos atos ocorridos em 08 de janeiro”, sustentam os advogados de Bolsonaro. No comunicado, os defensores do ex-presidente reforçaram que Bolsonaro deveria ter sido julgado pela primeira instância ou, se assim não fosse, pelo plenário do STF.

“Da mesma forma, não podemos deixar de dizer, com todo o respeito, que a falta de tempo hábil para analisar a prova impediu a defesa de forma definitiva. A defesa entende que as penas fixadas são absurdamente excessivas e desproporcionais e, após analisar os termos do acórdão, ajuizará os recursos cabíveis, inclusive no âmbito internacional”, concluíram Vilardi e Cunha Bueno.

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