O avanço do acordo entre Mercosul e União Europeia traz um alento para o governo brasileiro na semana em que a pressão americana sobre o país subiu por conta do julgamento do ex-presidente Jair Bolsonaro.
A notícia de que os europeus deram um passo decisivo para fortalecer o comércio entre os blocos coloca como real a possibilidade de que o acordo entre em vigor ainda na gestão Lula, em um contexto no qual a atual administração segue sem canais de diálogos com os americanos e sem previsão sobre o que pode, ou não, ser revertido no tarifaço.
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E, pior, na mesma semana em que o Tesouro americano enviou cartas a cinco bancos brasileiros questionando se a Lei Magnitsky está sendo aplicada, para criar um ambiente de intimidação no período do julgamento do ex-presidente.
A saída encontrada pela Comissão Europeia para garantir que seus 27 estados-membros estarão a bordo do acordo de livre comércio com o Mercosul é engenhosa, desde que não signifique a inclusão de jabuti no texto previamente aprovado.
O documento tem um adendo com detalhes de como os europeus poderão reagir com salvaguardas caso se sintam lesados pelas exportações agrícolas dos países do Cone Sul.
Se o trecho não for incompatível com os termos originais do entendimento, nem exigir a reabertura das negociações — o que o Mercosul já deixou claro que não fará — é o empurrão que faltava para que o acordo seja assinado em dezembro, na cúpula de líderes do bloco no Brasil, como queriam o presidente Lula e a presidente da Comissão Europeia, Ursula Von der Leyen.
Sem maiores intercorrências, há a expectativa de que entre em vigor ainda neste governo.
Brasil confortável com salvaguardas
A estratégia da UE foi vista com bons olhos pelos negociadores do Mercosul, para quem é fato que a comissão precisava fazer um gesto, sobretudo para os franceses. “É do interesse de todos que o acordo seja destravado”, disse um deles. Ou seja, a expectativa é a de que não haja resistência do lado de cá do Atlântico.
O presidente da Apex, Jorge Viana, destacou ao JOTA a importância do acordo, pelo tamanho do mercado europeu, com seu PIB de US$ 22 trilhões e uma população duas vezes maior que a dos EUA. O entendimento, disse, reforça a estratégia pragmática de abrir e ampliar mercados que o atual governo vem mantendo e que se torna mais necessária nesse contexto.
Para Viana, o detalhamento das salvaguardas foi importante para distensionar a negociação com os europeus. “É direito deles tentar proteger a agricultura, que é cara, muito importante para eles, que tem muito apoio político. Se acontecer algo excepcional, aciona-se a salvaguarda”, salientou.
O novo trecho incluído pelos europeus no texto funciona como uma espécie de regulamentação antecipada, que explica as regras de operacionalização do capítulo das salvaguardas. Os dois lados combinaram que haveria salvaguardas para o caso de “surtos” de exportação ou prejuízos graves para a UE. O adendo explica que os surtos a desencadear o uso das salvaguardas e as suspensões seriam de 10% para cima ou para baixo.
Outros interlocutores ouvidos pelo JOTA reforçam que o trecho dá tranquilidade aos países que precisavam apaziguar os ânimos de seus produtores rurais, como a França.
Pode haver riscos de desentendimentos lá na frente? Sempre pode. Mas esta é uma preocupação que todos só vão querer ter quando, e se, for usada a salvaguarda no futuro, depois que o acordo já tiver sido aprovado há muito tempo.
Diversificação como ativo econômico e político
Com o clima turbulento imposto pelos americanos não só ao Brasil, mas ao resto do mundo, incluindo a Europa, há maior pressa para reforçar outros laços e compensar parte das perdas decorrentes do tarifaço.
Se politicamente as agressões de Trump têm tido o efeito de ajudar Lula a recuperar a popularidade, o reforço do laço com os europeus por meio de um acordo que tem potencial significativo de gerar efeitos econômicos positivos no médio e longo prazos é sinal de força. E ajuda no cenário eleitoral, reiterando a mensagem de independência e de defesa do multilateralismo. Com a Europa, ainda se pode neutralizar ou amenizar a crítica de que o governo petista está nas mãos da China e dos Brics.
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“Ninguém quer ser dependente de outros países. Imagine se a situação que o país vive hoje com os EUA fosse com a China”, afirmou um integrante do governo. Atualmente, 12,5% das exportações brasileiras são destinadas ao mercado americano. Já foram 25%. Para a China essa fatia está em 32%.
Próximos passos
O texto do acordo passará agora pelo crivo do Conselho Europeu — onde estão representados ministros dos 27 países-membros —, que autoriza a assinatura. O tratado segue ao Parlamento Europeu para aprovação. Concluída esta fase, o Conselho formaliza o fim do processo de ratificação. A entrada em vigor dependerá apenas da conclusão do processo pelo Mercosul. Basta que um único país do bloco do Cone Sul aprove por seu lado para que passe a valer.
No Mercosul, após a assinatura, é preciso submeter o acordo a cada um dos respectivos parlamentos. O primeiro que tiver a chancela do Legislativo já poderá ter o entendimento em vigor, se a UE já tiver ratificado o tratado.
Ou seja, não são mais desprezíveis as chances de o Brasil conseguir desovar ao longo do ano que vem parte de suas exportações que antes iriam para os EUA, atenuando os riscos econômicos gerados pelo tarifaço.