Para proteger o Pix é preciso uma EC que transforme regime jurídico do Banco Central

A mais recente ofensiva contra o Pix veio de fora, uma investigação instaurada pelo presidente norteamericano Donald Trump sob supostas alegações de práticas comerciais desleais. Prontamente o governo brasileiro saiu em defesa do Pix e iniciou uma campanha midiática enfatizando que o Pix é patrimônio nacional.

Especialistas brasileiros e estrangeiros também saíram em defesa do Pix, inclusive o ganhador do prêmio Nobel de Economia Paul Krugman, que sugeriu que o Brasil teria inventado o futuro do dinheiro e afirmou que outras nações podem aprender com o sucesso da inovação brasileira.

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Enquanto esse e outros ataques decorrem de acusações falsas e infundadas, o verdadeiro risco que o Pix enfrenta passa despercebido. O Banco Central organizado sob a forma de uma autarquia federal e sob as amarras do regramento do direito público se vê cada dia mais fragilizado e sem as bases essenciais para prover o Pix de forma segura e sustentável.

É aí que entra a PEC 65/2023, que altera o regime jurídico do Banco Central, criando uma tipificação específica, como “instituição de natureza especial organizada sob a forma de pessoa jurídica de direito privado integrante do setor público financeiro, que exerce atividade estatal, dotada de regime jurídico próprio e poder de polícia”.

A alteração proposta visa fortalecer a autoridade monetária como instituição de Estado, entretanto sob o conjunto de regras do direito privado, de forma a lhe conferir a autonomia de fato, tendo em contrapartida maior dever de prestação de contas e fortalecendo o papel do Conselho Monetário Nacional e das instâncias de controle.

A PEC 65 traz a garantia da capacidade de utilizar as receitas próprias para arcar com suas despesas e da não dependência de autorização do Poder Executivo para contratar pessoal e infraestrutura tecnológica com agilidade e flexibilidade, inclusive estabelecendo regime de trabalho que viabilize o monitoramento ininterrupto necessário ao Pix.

Vale lembrar que desde a Lei Complementar 179/2021 o parlamento pretendia conferir autonomia administrativa e financeira ao Banco Central (art. 6º), além da autonomia operacional que estabeleceu mandatos fixos. Entretanto, dados os entraves do arcabouço legal brasileiro, o dispositivo foi inócuo em conferir à autoridade monetária a possibilidade de fazer a gestão de seus recursos humanos e utilizar suas receitas.

Há na Constituição Federal preceitos que alcançam as instituições regidas pelo direito público como, por exemplo, a sujeição a contingenciamentos e as regras aplicáveis aos servidores públicos, que impedem que se estabeleça uma verdadeira autonomia necessária ao funcionamento do BC, uma entidade peculiar dentro do Estado que atua, inclusive, como instituidora de arranjo e operadora de infraestruturas de mercado.

Assim, se faz necessária a adequação do regime jurídico do BC por meio da inovação jurídica que se pretende a PEC 65, adequando, inclusive, sua estrutura às melhores práticas internacionais.

O Banco Central sem autonomia orçamentária, financeira e administrativa vem sofrendo um processo de desmonte, com redução do orçamento para projetos em mais de 91% e um déficit de 51% no quadro de pessoal.

Na última década, apesar de pedidos anuais para realização de concurso, passando por governos de todas as vertentes (esquerda com Dilma, centro com Temer, direita com Bolsonaro e novamente esquerda com Lula) foram autorizadas apenas 100 vagas, o que não repõe nem as aposentadorias de um único ano.

Pode-se pensar que essa é a realidade do serviço público brasileiro, mas o que acontece com o Banco Central é ímpar, pois, enquanto o restante da Esplanada teve uma redução média de apenas 1% em seu quadro ao longo dos últimos 15 anos, o BC teve uma redução de 35% no mesmo período.

Atualmente, são apenas 33 servidores responsáveis por regular, supervisionar, operar, monitorar, combater fraudes e desenvolver novas funcionalidades no Pix. São aproximadamente 940 instituições participantes, e outras quase 50 que esperam na fila de autorização, as quais é preciso monitorar e fiscalizar para verificar se cumprem as regras estabelecidas. Além disso, a agenda evolutiva prevista é robusta – inclui Pix parcelado, Pix por aproximação, Pix em garantia, Pix internacional, entre outros.

A conta não fecha e, não por acaso, os incidentes com dados pessoais aumentaram 400% desde 2024. No ano passado, foram 19 fraudes confirmadas por minuto, um aumento de 95% comparado a 2023. Apenas de janeiro a julho de 2025, já foram desviados por fraude ou crime mais de R$ 4 bilhões, sendo quase R$ 1 bilhão em um único incidente. A taxa de recuperação dos valores é de menos de 9%.

Novas funcionalidades para melhorar o combate à fraude, discutidas desde 2022, só serão implementadas em 2026, e novos serviços como o Pix Automático foram lançados com três anos de atraso. Diante desses riscos crescentes e da precariedade de condições para combatê-los eficientemente a equipe vem alertando a direção para a necessidade de uma solução estrutural.

Contudo, diante da ausência de uma resposta concreta, muitos decidem que a sobrecarga, as noites insones e finais de semana trabalhando sem nem mesmo receber pelas horas extras, somados aos riscos de ser responsabilizado pessoalmente por alguma eventual falha, não compensa.

Digo com propriedade, porque eu mesma (Mayara), depois de atuar no projeto desde o início, decidi em julho de 2024 mudar de área. Não é coincidência que em uma instituição onde a rotatividade nas posições de liderança é baixíssima, o caso do Pix seja uma exceção: seis gestores saíram nos últimos quatro anos.

Caso a proposta da PEC 65 seja aprovada nas duas Casas Legislativas, o caminho até a sociedade usufruir de seus efeitos ainda é longo. Dependerá de regulamentação via Lei Complementar, adequação das regras internas do BC, recomposição do quadro de pessoal e formação dos novos servidores.

Por isso, a aprovação é tão urgente e não pode mais ser protelada. Após quase dois anos de sua apresentação no Congresso, a PEC 65 retornou à pauta da CCJ (Comissão de Constituição e Justiça) do Senado e sua votação está prevista para esta semana.

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O Pix é uma política pública de grande impacto, viabilizou o acesso a serviços financeiros e digitais a mais de 71,5 milhões de brasileiros e gerou uma economia de R$ 106,6 bilhões ao país. O governo tem hoje a grande oportunidade de defender o Pix para além das redes sociais e apoiar a medida, facilitando sua tramitação.

O texto já acolheu inclusive sugestões e emendas articuladas pelo governo, como o papel do CMN como instância que avaliará o orçamento do Banco Central e o dispositivo que ajusta o perímetro regulatório, para incluir instituições não bancárias no escopo do BC. Na próxima semana, saberemos se o governo e o Senado irão efetivamente dar esse importante passo na defesa do Pix.

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