TCU e a fiscalização dos cartões corporativos da Presidência da República

Em decisão recente, o TCU chamou a atenção para tema sensível: a falta de transparência nos gastos com o Cartão de Pagamento do Governo Federal – os chamados “cartões corporativos” –, instituído pelo Decreto Federal 5.355/2005 e operacionalizado pelo Banco do Brasil.

De acordo com o tribunal, entre os meses de janeiro de 2023 a abril de 2025, a Presidência da República gastou R$ 55.497.145,48 com cartões corporativos, dos quais 99,55% foram classificados como despesas sigilosas. Na Vice-Presidência, o percentual de despesas sigilosas alcançou 92% do montante total gasto no período, que foi de R$ 393,9 mil.

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Os números revelam que o sigilo, hoje, é a regra quando se trata das despesas realizadas com os cartões corporativos da Presidência e da Vice-Presidência da República.

Mas esse não é o único fator que prejudica a transparência dessas despesas. Isso porque, segundo o TCU, mesmo nos casos em que elas não são classificadas como sigilosas, as informações divulgadas são incompletas, imprecisas ou insuficientes para permitir efetivo controle social.

Há tempos, fiscalizações do TCU vêm indicando problemas nas despesas com cartões corporativos. Em 2017, o tribunal proferiu acórdão determinando que as informações sobre esse tipo de despesa fossem publicadas com maior grau de detalhamento, especialmente após o término dos mandatos presidenciais (Acórdão 1154/2017).

Em 2022, constatou que algumas das determinações anteriormente feitas não haviam sido integralmente implementadas, razão pela qual foram reiteradas (Acórdão 2625/2022). Já em 2023, determinou a autuação de processo apartado, com classificação reservada, para realizar fiscalização contínua dos gastos enquadrados como sigilosos (Acórdão 255/2023).

No último mês, o TCU renovou as determinações feitas em 2022, dessa vez, concedendo o prazo de 120 dias para que elas fossem cumpridas (Acórdão 1546/2025). Entre as providências a serem adotadas, está a obrigação de publicar, ao final de cada mês, o somatório das despesas classificadas como materiais de higiene e limpeza, alimentação, hospedagem e locação de transporte. Além disso, também reforçou-se a necessidade de as despesas de caráter reservado relativas a mandatos encerrados serem publicadas, com o devido detalhamento.

Trata-se de iniciativa oportuna e alinhada com a vocação constitucional do TCU. Se, por um lado, a legislação reserva à Presidência da República a prerrogativa de limitar a divulgação ao público em geral de despesas realizadas com cartões corporativos (arts. 23, VII, e 24, §2º, da Lei 12.527/2011), por outro, isso não significa que tais despesas possam ficar imunes a qualquer forma de controle.

A aposição de sigilo não pode inviabilizar que órgãos e entes do próprio estado, o detentor das informações sigilosas, cumpram com suas missões. Segundo a Lei 12.527/2011, o dever de resguardo do sigilo também recai sobre as Cortes de Contas (cf. art. 1º, parágrafo único, I, c/c arts. 6º, III, e 25, § 2º). Ademais, como tem afirmado o TCU, o sigilo não impede, necessariamente, a divulgação de dados mínimos que permitam algum grau de accountability e transparência perante a sociedade.

O sigilo não pode ser a regra — uma violação frontal ao art. 3º, I, da Lei 12.527/2011 — e nem pode ser usado pelo Executivo como método de blindagem contra controles em geral.

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