O Escritório do Representante Comercial dos Estados Unidos (Office of The United States Trade Representative) publicou no último dia 15 de julho aviso de abertura da investigação contra o Brasil com fundamento na Seção 301 do Trade Act de 1974, por supostos atos e práticas irracionais ou discriminatórias que sobrecarregariam ou restringiriam o comércio norte-americano.
Entre os seis pontos indicados no aviso como objeto da investigação encontram-se as práticas anticorrupção adotadas pelo Brasil, as quais, de acordo com o aviso, teriam enfraquecido consideravelmente em algumas áreas.
Conheça o JOTA PRO Poder, plataforma de monitoramento que oferece transparência e previsibilidade para empresas
Para justificar a abertura da investigação quanto a esse ponto, o aviso faz três observações.
Em primeiro lugar, o aviso indica, como exemplo do enfraquecimento do combate à corrupção no Brasil, que haveria notícias de falta de transparência na celebração de acordos de leniência entre promotores e empresas envolvidas em corrupção, bem como conflitos de interesse em decisões judiciais.
Na sequência, o aviso refere-se a um caso “amplamente divulgado” envolvendo suborno de agentes públicos em obras públicas e lavagem de dinheiro, no qual um ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) teria anulado as condenações e recebido “críticas generalizadas”.
Ainda que não haja mais informações, pode-se deduzir que o aviso se refira à anulação de acordos de leniência celebrados no âmbito da Operação Lava Jato.
Por fim, o aviso menciona supostas evidências de que a falta de efetiva aplicação de medidas anticorrupção e a falta de transparência no Brasil poderiam prejudicar empresas norte-americanas que atuam e investem no país, além de levantar preocupações em relação às normas de combate ao suborno e à corrupção.
Sem se desconsiderarem as eventuais motivações políticas por trás da medida e informações adicionais que poderão ser apresentadas ao final da investigação, o conteúdo do aviso merece análise quanto a um possível conflito de versões sobre o combate à corrupção no Brasil.
Por um lado, as justificativas apresentadas no aviso para a abertura da investigação alinham-se a conclusões alcançadas por outros atores internos e externos sobre o suposto enfraquecimento do combate à corrupção no Brasil. Por exemplo, os apontamentos do aviso são muito similares aos apontamentos apresentados pela Transparência Internacional em seu relatório de retrospectiva sobre o Brasil em 2024.
No relatório, em que se apontou a queda do Brasil no Índice de Percepção da Corrupção, a organização teceu críticas às decisões do STF que permitiram a suspensão e a renegociação das multas aplicadas às empresas investigadas na Lava Jato, de maneira semelhante à crítica contida no aviso do governo norte-americano.
Da mesma forma, ao mencionar uma suposta falta de efetividade das medidas anticorrupção e preocupações em relação às normas de combate à corrupção, o aviso ecoa as críticas feitas a recentes alterações legislativas e decisões judiciais no campo do combate à corrupção, em especial as alterações à Lei de Improbidade Administrativa, em grande parte validadas pelo STF, as quais foram objeto de críticas como um suposto afrouxamento do sistema.
Por outro lado, dados diversos podem indicar um avanço no combate à corrupção em determinadas áreas. Por exemplo, em relatório de 2023, a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) elogiou o Brasil pelos avanços no combate à corrupção transnacional, destacando o uso eficaz de acordos de leniência, a cooperação internacional e os esforços das instituições para fortalecer a responsabilização de empresas e envolver o setor privado, a despeito de ter formulado recomendações de melhoria.
Informações direto ao ponto sobre o que realmente importa: assine gratuitamente a JOTA Principal, a nova newsletter do JOTA
Na mesma linha, a Controladoria-Geral da União (CGU) divulgou ter superado o recorde de Processos Administrativos de Responsabilização instaurados e julgados em 2024, com 76 e 75 processos respectivamente, visando a apurar possíveis práticas de atos lesivos à Administração Pública. O órgão também lançou o Pacto Brasil pela Integridade Empresarial e o programa Pró-Ética, com o objetivo de engajar empresas na adoção de práticas éticas.
Além disso, no que diz respeito às alterações legislativas, pode-se constatar relevante fundamento jurídico nas atualizações à Lei de Improbidade Administrativa, em especial para o aperfeiçoamento do rito legal e a restrição de sua aplicação às práticas de má-gestão que envolvam dolo.
Ainda, vale observar que a Meta 4 das Metas Nacionais do Judiciário para 2025 estabelece o dever de priorização de julgamento dos processos relativos aos crimes contra a Administração Pública, à improbidade administrativa e aos ilícitos eleitorais.
Nesse contexto, é provável que a investigação – da qual podem advir relevantes consequências para o Brasil – tenha que se debruçar sobre diferentes nuances do combate à corrupção no país.