As recentes manifestações do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, acusando uma “caça às bruxas” contra Jair Bolsonaro, ampliaram no Palácio do Planalto a percepção de que ele tentará influenciar a eleição brasileira de 2026.
A embaixada americana em Brasília endossou as declarações, classificando como “vergonhosa” a “perseguição política” contra o ex-presidente, momentos antes de a Casa Branca anunciar tarifas de 50% aos produtos brasileiros, atribuindo a medida ao caso Bolsonaro e à censura nas redes sociais. Na opinião de uma fonte, esse conjunto de fatos mostra que Trump não apenas observa a sucessão de Lula, mas deve “jogar muito pesado” no pleito do ano que vem, com o apoio do exército da extrema direita americana e o poder de fogo das big techs.
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No campo diplomático, o Itamaraty convocou nesta quarta-feira (9/7) um encarregado de negócios da embaixada para dar explicações sobre a nota. E, na noite desta quarta, o Planalto ainda discutia como reagir às novas tarifas.
Mas as postagens de Trump em sua rede Truth Social já produzem efeitos colaterais no xadrez político brasileiro. Elas deram novo fôlego à ala mais radical do bolsonarismo e jogaram água no chope do governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), que tenta se consolidar como candidato da oposição para destronar o petismo no ano que vem. Para o desgosto da Faria Lima e de boa parte da classe política e empresarial, aumentam as chances de que a disputa volte a ser polarizada entre Lula e o bolsonarismo raiz.
O STF também como peça
O ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), é personagem central nessa trama. No ano passado, ele travou uma batalha com Elon Musk e ordenou a suspensão do X no Brasil por descumprimento de ordens judiciais. Agora, é processado pela Trump Media e pela Rumble, acusado em um tribunal da Flórida de impor censura a empresas americanas. A Advocacia-Geral da União (AGU), órgão ligado ao governo federal, acompanha o caso.
Na terça-feira (8/7), Moraes foi intimado pela segunda vez pela Justiça americana a se manifestar sobre a ação. No mesmo dia, prorrogou o inquérito que investiga a atuação do deputado licenciado Eduardo Bolsonaro (PL-SP) nos EUA, sob suspeita de articular sanções contra autoridades brasileiras a fim de dificultar a ação penal sobre a trama golpista liderada por seu pai. Eduardo desponta hoje como favorito para disputar a Presidência, caso o chefe do clã Bolsonaro permaneça inelegível.
Aliados do deputado e figuras como Steve Bannon aguardam que Trump imponha sanções também a Moraes já nos próximos dias, como sugeriu o secretário de Estado, Marco Rubio. Mais um exemplo de como o embate entre lulismo, bolsonarismo e trumpismo já contamina o processo eleitoral brasileiro.
Por outro lado, o confronto com Trump concede a Lula a oportunidade de empunhar a bandeira do nacionalismo, que era prerrogativa da direita até aqui no debate político no Brasil. Além disso, as tarifas impostas ao aço brasileiro geraram uma reação no Congresso, que em abril aprovou uma Lei de Reciprocidade que autoriza o governo a adotar contramedidas comerciais em casos como os tarifaços de Trump. A ver se esse mais recente episódio, com o ingrediente político da defesa de Bolsonaro, gerará a mesma solidariedade.
Irritação com o Brics e disputa com a China
No Planalto, a avaliação é que as declarações de Trump e a alta nas tarifas não têm relação apenas com a solidariedade a Bolsonaro. Elas também refletem o incômodo crescente com o Brics, especialmente após a cúpula do bloco realizada no Rio de Janeiro. O debate liderado por Lula sobre o uso de moedas locais nas transações comerciais, reduzindo a dependência do dólar, irritou particularmente o presidente americano. Em resposta, ele voltou a ameaçar tarifas sobre produtos importados dos países do bloco.
O governo brasileiro avalia que uma vitória do bolsonarismo em 2026 poderia reorientar a política externa do Brasil e enfraquecer a aproximação com a China, considerada tanto por republicanos quanto por democratas a principal ameaça à liderança global dos EUA. Na disputa com Pequim, contar com um presidente aliado em Brasília seria estratégico para Washington.
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Além da geopolítica, avaliam fontes, conta também o interesse econômico dos EUA. Na visão do Planalto, o Brasil é terreno cobiçado por Trump por sua riqueza em minerais críticos, petróleo e biodiversidade. Assessores presidenciais lembram que Trump selou recentemente um acordo com a Ucrânia para garantir acesso a terras raras essenciais às indústrias americanas, em troca de armamentos para a guerra contra a Rússia. Teme-se que um governo bolsonarista abra caminho para algo semelhante no Brasil.
Israel e a eleição brasileira
Outro tema externo que já permeia a política brasileira é Israel. Lula enxerga Binyamin Netanyahu como um ícone da extrema direita global e tem classificado as ações israelenses em Gaza como genocídio. Essas críticas ajudam a cristalizar sua rejeição no eleitorado evangélico ao petista, tradicionalmente acima de 60%, embora ainda não seja possível aferir com precisão o peso desse tema nas urnas.
O antagonismo com Israel é visto há muito no entorno do presidente como fator que alimenta a polarização religiosa e política no Brasil. Não por acaso, o governador paulista apareceu enrolado em uma bandeira israelense durante a Marcha para Jesus, em meados de junho, enquanto o Brasil se alinha à ação sul-africana contra Israel na Corte de Haia.
Articulação global contra o extremismo
O governo Lula atribuiu o avanço da extrema direita a um fenômeno mundial que exige resposta coordenada. No ano passado, durante a Assembleia Geral da ONU, Lula e o premiê espanhol Pedro Sánchez organizaram uma primeira reunião sobre o tema. Ficou acertado ampliar a cooperação.
A próxima etapa ocorrerá no dia 21 de julho, em Santiago, no Chile, com Lula, Sánchez, Gabriel Boric (Chile) e Yamandú Orsi (Uruguai). O objetivo é preparar nova rodada de debates em setembro, na ONU, para discutir estratégias contra a desestabilização democrática. Estarão na pauta ataques institucionais, a desigualdade social como terreno fértil para o extremismo e a ausência de regras claras nas plataformas digitais.
O Planalto avalia que Lula está preparado para o embate político e ideológico com a extrema direita brasileira representada por Bolsonaro. O petista também resiste a uma abordagem incisiva de aproximação com o público evangélico e está disposto a manter posições como o alinhamento pró-Palestina, mesmo arcando com eventuais custos eleitorais.
O que preocupa, no entanto, é a possibilidade de que a interferência direta de Trump, amplificada por magnatas das big techs, dê ao bolsonarismo munição para atuar fora das quatro linhas e desequilibrar o jogo na eleição de 2026.