Familiares pedem condenação da Argentina por duplo desaparecimento forçado

Familiares pediram à Corte Interamericana de Direitos Humanos (Corte IDH) a condenação da Argentina pelo desaparecimento forçado e posterior execução de José Segundo Zambrano e Pablo Marcelo Rodríguez, em audiência pública realizada na última semana.

Os dois foram mortos a tiros na província de Mendoza, no ano 2000. Eles eram amigos e tinham, respectivamente, 28 e 25 anos à época dos fatos. Foram vistos pela última vez em 25 de março daquele ano, quando saíram de carro rumo a um autódromo, no sopé da serra do departamento de Godoy Cruz, próximo à região central de Mendoza.

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De acordo com testemunhas, eles foram guiados por um indivíduo identificado como Mario Díaz até o local conhecido como Los Barrancos, seguindo instruções do policial Felipe Gil, que os aguardava acompanhado por quatro pessoas.

Conforme relatos, Zambrano atuava como informante policial e tinha relação próxima a agentes da Força Policial de Mendoza, como Felipe Gil.

Díaz contou em depoimento que Gil se aproximou da janela esquerda do veículo, um Peugeot 205 azul, e atirou na cabeça de José Zambrano, que estava no banco do motorista. Pablo Rodríguez tentou correr, mas foi baleado por outras duas pessoas no abdômen e na cabeça.

Os corpos dos amigos foram encontrados apenas em 3 de julho de 2000, semienterrados em uma região montanhosa do departamento de Godoy Cruz.

Entre o período em que desapareceram e o momento em que foram achados mortos, as famílias dizem que, ao tentarem informações sobre o paradeiro, ficaram desamparadas e foram perseguidas – além de não conseguirem informações, foram vítimas de uma campanha de desinformação por parte de autoridades.

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Segundo Stella Maris Loria, mãe de Zambrano, o governador e chefes policiais foram à televisão dizer que seu filho havia matado o amigo Pablo e fugido para a Espanha. Além disso, ela própria foi tratada como criminosa pela imprensa.

“O governador [da província de Mendoza] dizia que eles não estavam desaparecidos, que apareceriam quando quisessem. Na televisão, tratavam [meu filho] como um delinquente. Eu não entendia por que tinham tanta raiva contra nós. Para a imprensa, eu era uma chefe de quadrilha, eu falsificava documentos. Eu dizia: ‘Estou só buscando meu filho. Por que estão fazendo isso? Por que não me escutam?”, contou Stella na audiência da Corte.

A depoente contou que, quando foi fazer a denúncia pelo desaparecimento do filho em uma delegacia, acabou ela mesma presa. “Me prenderam. Parecia que eu estava buscando um assassino, não meu filho. Me levaram à delegacia, onde eu estava fazendo a denúncia. Me deixaram completamente nua, tiraram fotos de mim, em frente aos agentes policiais, todos me olhando. Depois, me levaram a um juiz, que disse que eu tinha sido denunciada por associação criminosa. Eu dizia: estou buscando meu filho! Por que estão fazendo isso comigo?”.

Sonia Verónica Fernández, viúva de Pablo Rodríguez, também afirmou aos juízes da Corte IDH que foi desacreditada quando buscou informações sobre o marido. “Quando fui denunciar, riram de mim. Agiram como se ele tivesse saído com outra pessoa, com outra mulher”.

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Ela contou que descobriu que estava grávida logo depois do desaparecimento de Pablo, o que agravou seu sofrimento e quase levou à perda da filha. “Em setembro, nós o velamos. Em outubro nasce minha filha, com 33 semanas e 1,5 quilo. Minha pressão subiu, eu fiquei muito mal. Ela ficou dois meses em uma UTI neonatal. A partir dali minha vida passou a ser dar-lhe amor e toda a força, apesar de toda a dor, para seguir adiante. É assim até o dia de hoje”.

Sonia disse que a filha lamenta frequentemente não ter conhecido o pai. “Ela sempre perguntou pelo pai. Quando era pequena, havia coisas que não podíamos dizer, mas mostrávamos fotos. Até hoje, ela gosta de ver fotos do seu pai comigo, de quando nos casamos. Diz que queria que ter convido com ele, para que ele conhecesse os netos. Hoje tenho dois netos pequenos, um de dois anos e outro de sete meses. São eles que me dão vida, que me fazem prosseguir”.

Segundo a viúva, nenhuma ajuda lhe foi oferecida pelo Estado. “A verdade é que ninguém nunca me procurou para oferecer ajuda psicológica, para saber se eu precisava de algo”.

Para a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), há elementos que caracterizam o desaparecimento forçado seguido de execução, uma vez que as vítimas foram privadas de liberdade até que seus restos mortais fossem encontrados e que o Estado se negou a fornecer informações sobre o paradeiro delas, tratando-as como criminosas.

A CIDH considera que houve falhas graves de diligência durante as primeiras 48 horas do desaparecimento, bem como deficiências na investigação que levaram à absolvição das pessoas imputadas.

Com base nessas considerações, a Comissão Interamericana concluiu que o Estado é responsável pela violação dos direitos ao reconhecimento da personalidade jurídica, à vida, à integridade pessoal, à liberdade pessoal, às garantias judiciais e à proteção judicial, consagrados nos artigos 3, 4.1, 5.1, 7.1, 8.1 e 25.1, combinados com o artigo 1.1 do mesmo instrumento. Também pela violação dos artigos I. a) e b) da Convenção Interamericana sobre Desaparecimento Forçado de Pessoas, e pela violação do artigo 5.1 da Convenção Americana, combinado com as obrigações contidas no artigo 1.1 do mesmo instrumento.

Durante a audiência pública, Lucas Jorge Germán Lecour, representante das vítimas, pediu a inclusão da violação ao direito de receber de difundir informações, previsto no artigo 13.1 da Convenção Americana.

“O Estado não tem só a obrigação de investigar adequadamente o desaparecimento forçado, mas tem a responsabilidade de informar de maneira verdadeira o resultado da investigação que leva adiante. No caso presente, fomos testemunhas de que não só faltou investigação adequada, imediata, séria, imparcial, mas que houve, por parte das autoridades políticas, uma campanha premeditada de informações falsas para desprestígio das vítimas e familiares. Isso foi levado publicamente para todos os meios de comunicação, com o único objetivo de calar os familiares, de frear suas buscas e de estigmatizá-los frente à sociedade”, justificou o defensor.

À Corte IDH, o subsecretário de Direitos Humanos da Argentina, Alberto Julio Baños, manteve a versão de que José Zambrano e Pablo Rodríguez eram criminosos – e, portanto, não se trata de um caso de desaparecimento forçado.

“Ouvimos falar de desaparecimento forçado e do esforço dos peticionários para emplacar essa qualificação. Mas estamos falando de um negócio entre delinquentes, no qual uma das partes, por motivos desconhecidos, decidiu colocar um fim. Apesar de ser um policial, ele era um delinquente. Não há os requisitos clássicos do desaparecimento forçado de uma pessoa. Ainda que o resultado fatal seja o mesmo, para o fim de reparação, que é o que guia esta audiência, acredito que é importante marcar esta diferença”, declarou o representante do Estado.

Ele também defendeu que houve esforço por parte das autoridades para solucionar o caso. “Desde a data dos fatos, o que foi feito pela Província de Mendoza também deve ser ponderado. Na época em que os fatos ocorreram, havia um especial interesse dos três poderes do Estado para que não houvesse desaparecidos. Para isso, levou adiante uma investigação, que pode ter sido deficiente, questionável, duvidosa, mas o estado de Mendoza inclusive dispôs uma recompensa para que conseguisse informações. Desse modo, foi possível encontrar o corpo das vítimas”.

Com a conclusão da audiência pública, as partes envolvidas no caso têm um mês para enviar suas alegações finais. Depois disso, o tribunal pode emitir sentença a qualquer momento.

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