Mulheres, delação e corrupção na administração pública

A edição mais recente da revista Regulation and Governance traz um interessante estudo sobre whistleblowers (delatores) na administração pública brasileira. Disponibilizado online em 2021, o estudo mostra que, dentre servidores públicos, mulheres tendem a delatar menos casos de violação de regras (incluindo casos de corrupção) do que homens. O resultado parece especialmente intrigante se considerarmos que há diversos estudos mostrando que mulheres têm menor probabilidade de ser corruptas. Por exemplo, na China, entre 1979 e 2014, o índice de servidoras públicas presas por corrupção foi 81% menor que dos servidores do sexo masculino. Na Itália, os resultados foram similares: as mulheres eram investigadas por corrupção com menos frequência (22%) do que os homens.

O que explica esses resultados? Pesquisas mostram que mulheres são menos corruptas porque têm menos oportunidades para se engajar em corrupção (e.g., não fazer parte das redes sociais dominadas por homens, as chamadas “old boys clubs”) e porque, quando pegas, elas tendem a ser punidas mais severamente que os homens. O resultado do estudo sobre as delatoras brasileiras também mostra que é uma questão de incentivos: elas sofrem mais retaliação do que homens, o que reduz sua propensão a delatar. O resultado é condizente com outras pesquisas. Um relatório sobre América Latina e Caribe mostra que mulheres têm menos propensão a delatar corrupção porque elas acreditam que há alta probabilidade de que não serão levadas a sério e de retaliação.

Quais são algumas das implicações desses resultados? Há países que assumiram que mulheres são, por natureza, menos corruptas. No México, por exemplo, uma força policial de controle de tráfego formada exclusivamente por mulheres foi criada em 2011. A medida reduziu corrupção inicialmente, mas dado se trata de uma questão de incentivos e oportunidades, não há como garantir que o resultado se manterá.

Por outro lado, os autores do estudo publicado na Regulation and Governance, argumentam que o Brasil precisa de uma legislação mais robusta para proteger delatores, dado que em geral os índices de delação no país são baixos. Mas é preciso também reduzir desigualdades. Uma proposta são sistemas de whistleblowing sensíveis a questão de gênero, garantindo confidencialidade e apoio de organizações formadas por mulheres. Além disso, há questões estruturais: organizações dominadas por homens em altos cargos afetam os incentivos para mulheres delatarem. Um estudo publicado em 2023, mostra que, nos Estados Unidos, reduzir disparidades na representação de mulheres, especialmente em cargos de comando, aumentou o número de mulheres delatoras.

Um relatório da ONU sobre igualdade de gênero na administração pública mostra que no Brasil, em 2019, 49% do serviço público era composto por mulheres, mas esse número caia para 43% em cargos de administração e 21% em cargos de liderança. A Agência Nacional de Águas (ANA) está tentando reduzir o problema, mas infelizmente parece ser ainda uma exceção no contexto brasileiro.

Generated by Feedzy