Após sua aprovação na Câmara dos Deputados, é dada como certa a aprovação do PDL 98/2023 no Senado. Caso de fato seja aprovado, o Decreto Legislativo sustará, nos termos do art. 49, V da CF/88, dispositivos dos Decretos Federais 11.466/2023 e 11.467/2023.
Desde a sua edição, há quem defenda que o art. 1º, § 2º do Decreto Federal 11.466/2023 e o art. 6º, parágrafos 16 e 17 do Decreto Federal 11.467/2023 autorizariam a prestação direta, sem licitação, por parte das empresas estatais, do serviço público de saneamento nas hipóteses em tais empresas públicas e sociedades de economia mista fossem contratadas por entidades de prestação regionalizada.
Com a eventual aprovação, edição e publicação do referido Decreto Legislativo, essa polêmica envolvendo a possibilidade de contratação sem licitação das empresas estatais para prestarem os serviços de saneamento básico estará encerrada?
A resposta é não.
Notadamente o Decreto 11.467/2023 traz dispositivos que apenas uma interpretação que pode ser extraída dos arts. 8º, II e 10 da Lei 11.445, de 5 de janeiro de 2007 com a redação que lhe foi conferida pela Lei 14.026/2020.
Veja, no novo Marco Legal do Saneamento Básico, os estados (acionistas majoritários e controladores das estatais que atuam no setor de saneamento) exercem a titularidade dos serviços públicos de saneamento básico em conjunto com os municípios nas hipóteses em que há efetivo compartilhamento de instalações operacionais integrantes de regiões metropolitanas, aglomerações urbanas e microrregiões (art. 8º, II).
Neste particular, o art. 10 estabelece expressamente que a prestação dos serviços públicos de saneamento básico por entidade que não integre a administração do titular depende da celebração de contrato de concessão, mediante prévia licitação.
Ora, se quando a entidade não integra a administração do titular há a necessidade da celebração de contrato de concessão, mediante prévia licitação, o que ocorre quando a entidade integra a administração do titular sabendo que os estados exercem a titularidade dos serviços públicos de saneamento básico em conjunto com os municípios nos casos de prestação regionalizada?
A resposta, para quem defende tal tese é simples: como as empresas estatais integram a estrutura administrativa dos estados, nas hipóteses em que há prestação regionalizada, elas podem ser contratadas diretamente, sem licitação.
Os críticos de tal tese afirmam que, pela definição contida na Lei 8.987/1995, concessão de serviço público é “a delegação de sua prestação, feita pelo poder concedente, mediante licitação, na modalidade concorrência ou diálogo competitivo, a pessoa jurídica ou consórcio de empresas que demonstre capacidade para seu desempenho, por sua conta e risco e por prazo determinado” e pela parte final do art. 10 do novo marco do saneamento, que veda a contratação mediante contrato de programa, convênio, termo de parceria ou outros instrumentos de natureza precária, é impossível que haja concessão sem licitação.
Mas aí nesse ponto surge outro complicador: os que defendem que o art. 175 da CF/88 expressamente prevê que o Poder Público prestará serviços públicos sob regime de concessão ou permissão, sempre através de licitação, mas também os prestará diretamente e, em tal prestação direta, estariam inseridas as empresas estatais conforme previsão dos já mencionados arts. 8º, II e 10 da Lei 11.445/2007.
Assim, em que pese o PDL 98/2023 eventualmente redundar num Decreto Legislativo que suste, por exemplo, o art. 6º, parágrafos 16 e 17 do Decreto 11.467/2023, a questão da possibilidade de contratação direta das estatais para a prestação do serviço de saneamento nas hipóteses em que há co-titularidade entre estados e municípios (ou seja, na prestação regionalizada) está longe de ser decidida.
E, apenas teorizando, mesmo que a interpretação que pode ser extraída dos arts. 8º, II e 10 do novo marco e do art. 175 da CF/88 venha a ser afastada pelo STF e que se entenda não ser possível que as estatais do setor de saneamento prestem o serviço sem terem se sagradas previamente vencedoras num processo de licitação, o que fazer com os casos em que já se está adotando a tese que permite a contratação direta das estatais? Simplesmente declarar sua nulidade?
Se não para responder os questionamentos acima em definitivo, mas sim para pelo menos apontar para um norte, é preciso destacar que não é da tradição brasileira ignorar os efeitos das relações contratuais e anulá-las, sem qualquer modulação, em caráter retroativo.
Já quanto à pergunta feita no título no sentido de saber se as estatais seguirão tendo papel de protagonista no setor de saneamento, a resposta é sim, pois, de um jeito ou de outro, as estatais seguirão tendo papel relevante no saneamento básico, notadamente nos casos em que as entidades de prestação regionalizada ou já as contrataram ou as venham contratar antes de uma uniformização definitiva de entendimentos sobre a questão.