Prepare-se para a democratização dos serviços públicos digitais no Brasil

O Brasil é, hoje, uma referência global em serviços públicos digitais para a população. No entanto, o país ainda sofre com a enorme desigualdade entre as esferas de governo quando o assunto é transformação digital. E, para reverter essa situação, o governo federal dará início a um processo participativo de construção da chamada Estratégia Nacional de Governo Digital. O objetivo é integrar as três esferas, em um esforço coletivo de simplificação, ampliação do acesso da população e melhoria da segurança e da qualidade dos serviços públicos. Mas o que muda com essa estratégia?

Em primeiro lugar, é preciso lembrar o que significa um governo digital. Mais que levar processos físicos para meios digitais, a expressão governo digital está relacionada ao foco no usuário, à desburocratização, modernização, simplificação, participação e transparência. Ela abrange, também, a linguagem simples, a presunção de boa-fé do cidadão, a atuação integrada, a interoperabilidade, a multicanalidade, a proteção de dados pessoais, a acessibilidade, o uso de dados e tecnologia e a promoção do desenvolvimento tecnológico e da inovação, visando a universalização do acesso aos serviços e o autosserviço. Ou seja, todo cidadão deve ser capaz de acessar qualquer serviço ou dado público de onde quer que ele esteja, a qualquer hora e pelo canal que preferir, com facilidade, rapidez e segurança.

Embora pareça algo distante da realidade brasileira, algumas iniciativas realizadas de 2018 para cá – como a criação da Secretaria de Governo Digital do Ministério da Economia; da Estratégia de Governo Digital (EGD); da Rede Nacional de Governo Digital (Rede Gov.br); e do portal único de serviços da União (Portal Gov.br); juntamente com a aprovação da Lei Federal de Governo Digital, da nova Lei de Licitações e Contratos e do Marco Legal de Startups – levaram o nosso país à segunda posição global do principal ranking de maturidade em governo digital do mundo, o GovTech Maturity Index, do Banco Mundial.

De observador e importador de boas práticas, o Brasil se tornou referência no assunto, principalmente, pela quantidade de serviços digitalizados (mais de 4.000 atualmente); pelo aumento do número de usuários do portal Gov.br (que ultrapassou 130 milhões em 2022); e a ampliação do acesso da população aos serviços públicos federais, via canais de prestação digitais.

Ainda assim, temos um longo caminho pela frente. Enquanto o digital pode dar mais eficiência e transparência aos processos públicos, a estimativa é que a ineficiência e o desperdício na execução da despesa pública ainda custem mais de 4% do PIB. Segundo pesquisa da Cetic.br sobre o uso das Tecnologias de Informação e Comunicação no Setor Público, considerando a aplicação de novas tecnologias pelos órgãos federais, apenas 21% oferecem atendimento via assistente virtual/chatbot. Só 18% deles utilizam internet das coisas e 14% usam blockchain.

Além disso, vale notar que todas as iniciativas e resultados que influenciaram a apuração do ranking se referem ao governo federal. Eles não refletem a realidade dos municípios e estados brasileiros, onde o cenário ainda é crítico. De acordo com o Índice ABEP-TIC de Oferta de Serviços Públicos Digitais, 7 dos 26 estados avaliados ainda têm maturidade regular ou ruim quando o assunto são as normas necessárias para a modernização da oferta de serviços públicos. Entre os municípios, a pesquisa da Cetic.br mostrou que menos de um terço das prefeituras têm algum canal online para solicitações de tratamento de dados e menos de 35% realizaram iniciativas de participação popular digital. 

Mesmo estando entre os melhores países do mundo em governo digital, ainda devemos melhorar em diversos aspectos, principalmente, no nivelamento das capacidades institucionais dos municípios e estados com o governo federal e no combate às desigualdades entre as regiões. Daí a importância de uma ação coordenada e liderada pela União, que estabeleça diretrizes e metas para toda a administração e garanta o acesso a tudo aquilo que um governo digital representa.

Por isso, o Decreto Federal 11.260/2022 estabeleceu que a Secretaria de Governo Digital seria a responsável “pela articulação da matéria e pela elaboração da minuta preliminar da Estratégia Nacional de Governo Digital”. Assim sendo, o governo federal, por intermédio do Ministério da Gestão e da Inovação em Serviços Públicos, vai elaborar, de forma colaborativa, o documento dessa estratégia.

De agosto a setembro, o documento será discutido em oficinas regionais e em consulta pública, quando qualquer cidadão poderá apresentar sugestões. Por último, o texto segue para aprovação da Presidência da República, que deverá sancionar, até o final deste ano, a Estratégia Nacional de Governo Digital para o período de 2024 a 2027.

Se a Estratégia de Governo Digital da União estabeleceu ações e metas claras para o governo federal e, por isso, foi considerada uma das principais iniciativas que levaram o Brasil à posição de destaque global, a ideia, agora, é promover essa transformação em municípios e estados, a partir de uma estratégia unificada para todos os entes. O objetivo é estabelecer o digital como padrão nacional e garantir a transformação de 100% dos serviços públicos, sejam eles federais, estaduais ou municipais. Afinal, se o cidadão é um só, o governo, para ele, também deve ser.

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