O tema já é de todos conhecido. Fazenda e Planejamento enfrentam o crescente rombo orçamentário causado pelo verdadeiro calote imposto aos precatórios por meio de Emendas Constitucionais, aprovadas durante o populismo que apagou as luzes de 2021. A inconstitucionalidade da moratória, apesar de suscitada desde então, ainda não foi apreciada pelo Supremo Tribunal Federal (STF).
O Tesouro Nacional já vinha alertando que, ao fim da vigência da norma, em 2026, “a União terá que desembolsar quase R$ 200 bilhões apenas com essa despesa”. O Tribunal de Contas da União (TCU), por sua vez, em decisão de julho deste ano[1], reconheceu o acúmulo progressivo de passivo, que pode chegar a R$ 744,1 bilhões em 2027 (estimativa da Instituição Fiscal Independente[2]). Dados do Congresso submetidos ao TCU indicam que os R$ 22,3 bilhões acumulados em 2022 chegarão a R$ 56,8 bilhões em 2023[3]. Não por outra razão, a própria administração pública agora busca equacionar a questão. Se nada for feito, “a Esplanada [ficará] totalmente sem dinheiro” [4], inclusive para a pasta da Saúde. A questão se mostra, cada vez mais, urgente e momentosa.
As comunidades jurídica e econômica reconhecem que a moratória atual é ainda mais grave do que as anteriores (ECs 30 e 62, ambas tidas por inconstitucionais), por quatro razões principais: (a) será formado passivo até então inexistente em âmbito federal, (b) tal passivo dificilmente será saldado, sem comprometimento da saúde financeira do Estado, em 2026, o que permite cogitar novo calote, (c) o pacto federativo foi desbalanceado em favor da União, que apesar de ser o ente mais forte é o único que pode, sem risco de intervenção, inadimplir, sucessivamente, os precatórios; (d) violou-se a isonomia, na medida em que alguns credores receberão o que lhes é devido enquanto outros, ainda que detentores de créditos de igual natureza, aguardarão indefinidamente – os brasileiros não são mais iguais entre si.
AGU e Fazenda discutem, agora, “a possibilidade de classificar parte dos chamados precatórios como despesa financeira”[5], de modo que tais montantes não afetem o espaço orçamentário destinado às despesas primárias. Essa é, inclusive, a posição de grandes nomes da economia nacional – tais como Amaury Bier, Pedro Parente, Maílson da Nóbrega, Carlos Kawall, Eduardo Guardia, Daniel Goldberg, Armínio Fraga, Mansueto Almeida, Marcos Mendes – que há muito alertam que a despesa com precatórios não deveria ter sido computada sob o teto de gastos.
Essa é, aliás, a mesma defesa que a OAB faz perante o STF, ao requerer que seja dada ao art. 107 do ADCT uma interpretação conforme a Constituição, para que não haja dúvidas de que precatórios devem ser pagos em sua integralidade, sem que disso decorra a compressão do espaço orçamentário. Vem da própria Suprema Corte a assertiva de que “é necessário deslocar o olhar para o credor, cidadão e cidadã que (…) vê-se vencedor do pleito judicial (…) mas sem garantia de que receberá o valor pecuniário que lhe é devido” (EDs nas ADIs 2356 e 2362, voto do Min. Edson Fachin).
A hora e a urgência se mostram apropriadas, assim, para que o STF se mantenha fiel à sua jurisprudência e dê tranquilidade à nação, deixando espaço para que o Congresso se dedique a aprovar as medidas realmente necessárias a evitar a nossa ruína econômica. Os primeiros passos foram dados. Que se aguardem os próximos.
[1] TC 038.225/2021-2, Rel. Min. Antonio Anastasia.
[2] Comentários IFI n. 14. Disponível em https://www2.senado.leg.br/bdsf/bitstream/handle/id/594276/CI14.pdf
[3] Nota Técnica Conjunta 5/2022 da COFC/SF e COFF/CD.
[4] https://www1.folha.uol.com.br/mercado/2023/08/plano-de-medio-prazo-de-lula-ve-apagao-ate-em-saude-sem-mudanca-em-precatorios.shtml
[5] https://www1.folha.uol.com.br/mercado/2023/08/fazenda-ve-conta-menor-com-precatorios-e-vai-discutir-despedalada-com-agu.shtml