As concessões aeroportuárias implicaram, inicialmente, a participação minoritária da Infraero em alguns empreendimentos: Galeão, Confins, Brasília, Viracopos e Guarulhos. Mais recentemente, alguns ativos geridos pela estatal foram transferidos à gestão privada sem que houvesse participação da Infraero ou recomposição das receitas perdidas. Foi assim a partir da 4ª rodada, com os aeroportos de Porto Alegre, Florianópolis, Salvador, Fortaleza, Recife, dentre outros.
O que há de relevante nesse processo todo é que, até o presente momento, não se definiu de forma inequívoca o futuro da Infraero. Qual será o papel da empresa? Trata-se de uma lacuna que começa a suscitar ações judiciais e manifestações dos órgãos de controle sobre as suas receitas e sobre a sua participação minoritária em SPEs concedidas.
Quanto ao impacto das transferências de aeroportos para outras empresas, sem previsibilidade de recomposição de receitas, na Reclamação 58.721 Distrito Federal, a Associação Nacional dos Procuradores da Infraero (Anpifra) questionou no Supremo Tribunal Federal (STF) a possibilidade de transferência dos ativos da 7ª rodada (sobretudo o aeroporto de Congonhas), sem que houvesse uma deliberação prévia sobre a capacidade de a empresa continuar sustentável e não dependente da União.
A manifestação apontou que as concessões retiraram da estatal os ativos e a gestão dos aeroportos, causando incerteza quanto à continuidade operacional. Em razão de prejuízos ao longo dos últimos anos, conforme constatado pelas auditorias externas realizadas e publicadas, a Infraero migrava para se tornar uma empresa dependente da União, não obtendo as receitas, autonomamente, para fazer face às suas obrigações.
O grande impacto financeiro versa sobre o pagamento de empregados. A reclamação apontada invocou, assim, manifestação do Tribunal de Contas da União (TCU) nos autos do Processo 007.142/2018-8, Acórdão 830/2019, de relatoria do ministro Vital do Rêgo, que demonstrava a possibilidade de dependência da empresa. Tratando especificamente da 7ª rodada de concessões, a Anpifra indicou ao STF que em nenhum momento se ponderou sobre o destino da Infraero após a conclusão das rodadas de concessões, seja nos atos preparatórios do processo de licitação, na Resolução CPPI 7/2020, seja no Edital do Leilão 1/2022.
Ao negar seguimento à Reclamação, cujo paradigma invocado versava, dentre outros aspectos, sobre a legitimidade de o PPI estruturar processos de desestatização, o ministro Gilmar Mendes apontou que não era possível extrair a determinação de que os procedimentos de desestatização apenas fossem realizados após a definição do destino das empresas públicas afetas. Em suma, não seria possível receber a Reclamação em razão de requisitos formais, conquanto tenha sido reconhecido que não há manifestação clara da União quanto ao destino da empresa. O processo se encontra pendente de Agravo da decisão monocrática do ministro.
Recente decisão do TCU, no Acórdão 1593/2023, por outro lado, apontou para a necessidade de avaliação de vantajosidade da desistência das relicitações em relação à Infraero. Para o tribunal, deve-se considerar a repercussão tanto da continuidade da gestão do ativo pelo mesmo agente privado, quanto na transferência para outro agente econômico do aeroporto, através da relicitação. A fundamentação do TCU tem por base o fato de a Infraero ainda ser acionista relevante, com 49% de participação no capital social de Sociedades de Propósito Específico (SPEs) indicadas, e que estão em procedimento de relicitação. São os casos de Viracopos e Galeão.
A preocupação do Tribunal de Contas acerca de ponderação da vantajosidade é que o Poder Concedente pode prever indenização do novo concessionário à Infraero. Isso traria recursos à empresa para direcionar e justificar o seu funcionamento. A posição do TCU invocou o disposto nos artigos 14, §2º, inciso IV, 17, 16, incisos I e II, e 23, todos da Lei 13.448/2017, e no artigo 3º, inciso IV, do Decreto 9.957/2019; 9.2.4.13.
Como se observa, a existência de uma empresa estatal incumbida da prestação de serviço público exige que se preveja de forma peremptória o destino que será atribuído à empresa, sobretudo quando em curso um processo de concessões. O comprometimento dos recursos da União, seja pelo impacto na participação acionária, ou até mesmo pela possibilidade de a empresa tornar-se dependente traz variável relevante na avaliação da vantajosidade das decisões.
Já de algum tempo tem-se defendido uma vocação de gestão de aeroportos regionais para a Infraero. O fato, contudo, é que, para além da política pública que possa ser vislumbrada, seria necessário estabelecer contratos e critérios para que a empresa pudesse desempenhar suas funções com segurança econômica e jurídica. A não decisão é a pior opção.