Colonialismo, reserva de mercado ou profissionais desqualificados?

Não é de hoje que a Conselho Geral de Ordem dos Advogados de Portugal tem demonstrado incomodo com os advogados que atuam em função do acordo de reciprocidade firmado com a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB).  

O regime de reciprocidade permitia a inscrição de advogados brasileiros na Ordem dos Advogados de Portugal, dispensando a frequência no estágio e realização da prova de agregação. Da mesma forma, advogados portugueses no Brasil, estavam dispensados dessas etapas para exercício da profissão.  

Há uma semana circulou nas redes sociais uma possível minuta de acordo (a qual não há comprovação de sua veracidade) que continha a imposição de destacar nas cédulas profissionais dos advogados brasileiros que essas não se equiparam a uma cédula profissional portuguesa para efeitos de exercício da profissão na união europeia.   

E, alguns dias antes do comunicado que determinou a extinção do acordo de reciprocidade, a Bastonária foi questionada em uma entrevista para o Público sobre a necessidade de restrição do acesso dos advogados brasileiros e se posicionou no sentido de que a formação, os institutos jurídicos e até mesmo a linguagem eram completamente diferentes.  

Por fim, a comunidade jurídica, tanto brasileira como portuguesa foi surpreendida com a decisão que extinguiu o acordo de forma unilateral, na calada na noite e com a produção de seus efeitos em menos de 12 horas.  

O comunicado oficial que colocou fim ao acordo de reciprocidade mencionou as seguintes razões: diferenças legislativas, especialmente por conta das Diretivas da União Europeia, falta de domínio de formalismos digitais, queixas contra a atuação dos advogados brasileiros e por fim, o fato de que os advogados brasileiros estão expandindo sua atuação na União Europeia.   

Com o fim do acordo de reciprocidade as entidades passaram a trocar farpas: de um lado o comunicado oficial da OAB na pessoa do presidente Betto Simonetti foi no sentido de que iria adotar todas as medidas cabíveis para defender os direitos dos profissionais brasileiros aptos a advogar em Portugal:  

“ A OAB, durante toda a negociação, se opôs a qualquer mudança que validasse textos imbuídos de discriminação e preconceito contra advogadas e advogados brasileiros. A mentalidade colonial já foi derrotada e só encontra lugar nos livros de história, não mais no dia a dia das duas nações”.

A bastonária Fernanda de Almeida Pinheiro tratou rejeitar as acusações de colonialismo e discriminação feitas pelo presidente Betto Simonetti e alegou que a Ordem dos Advogados do Brasil postergou as negociações, tendo inclusive desmarcado uma reunião em cima da hora:  

“Há muitos anos que vimos sentindo essa preocupação. Não é correto nem pode ser política de uma Ordem permitir que possam estar a exercer a profissão pessoas que não estejam técnica e juridicamente qualificadas para o efeito”.

Com toda a repercussão negativa, o ex bastonário Luís Menezes Leitão se mostrou contrário ao fim do acordo de reciprocidade, seja porque a decisão não respeitou a legislação portuguesa, seja porque estava a colocar em causa a excelente relação existente com a Ordem dos Advogados do Brasil.  

O fato é que faltou habilidade de ambos os lados: os advogados brasileiros e portugueses inscritos sob o acordo de reciprocidade nunca foram chamados por nenhum dos lados para o diálogo.  

Os advogados brasileiros tiveram a sua imagem prejudicada, pois como foram publicamente taxados de incompetentes pela Bastonária, estão a receber uma avalanche de comentários negativos vindos de meia dúzia de advogados portugueses mais conservadores, além do questionamento por parte de potenciais clientes sobre a legalidade de sua atuação.   

Mas, o que muitos não estão a enxergar é que os maiores prejudicados são os advogados portugueses, na medida em que os representantes das maiores bancas de Portugal representam clientes no Brasil em acordos e operações milionárias, o que resulta em honorários expressivos.  

O cenário em Portugal é diverso: a grande maioria dos advogados brasileiros atuam em prática isolada, especialmente nas áreas de imigração e nacionalidade portuguesa, com honorários mais modestos e quando da atuação no tribunal, sequer existe previsão de honorários de sucumbência.   

Para além disso, são muitos os que estavam em vias de inscrição, com passagens compradas ou ainda aqueles chegaram a Portugal na noite em que a decisão unilateral foi tomada.  

O mesmo vale para os advogados que estão a exercer em outros países da união europeia, que investiram em formação especifica, línguas (inglês, francês e alemão) e no processo de inscrição das ordens respectivas e de igual modo, se sentem preocupados com o fim do acordo de reciprocidade.  

Por isso, a comunidade jurídica brasileira está se mobilizando para contestar a extinção do acordo, já que dentre outros pontos, a norma do estatuto não pode ser modificada através de deliberação do Conselho, é preciso seguir o devido processo legal.   

Ao lado disso, pedem pela transparência com a apresentação dos dados ventilados sobre queixas contra a atuação dos advogados brasileiros – defendendo que os bons profissionais não podem pagar pelos maus.  

Sobre as diferenças legislativas e formalismos digitais, é preciso lembrar que o direito material guarda muita semelhança com o direito brasileiro, temos como exemplo o regramento relativo à proteção de dados ou ainda, questões empresariais. O mesmo não se pode dizer quanto ao direito processual.  

Já o formalismo digital, ainda em fase de implementação em Portugal, nos custa acreditar, mas é preciso assinar a caneta preta e carimbar os documentos para submissão no portal online ao passo que o Brasil é referencia em tecnologia de certificação brasileira, tendo implementado o processo digital há mais de 17 anos.  

Por fim, sobre a critica à linguagem dos brasileiros, é mais prudente não discorrermos a esse respeito, embora todos saibamos o que isso representa.  

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