Cannabis sativa: plantação à vista?

Em março deste ano, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) instaurou incidente de assunção de competência (IAC) sobre a possibilidade de concessão de autorização sanitária para importação e cultivo de variedades de Cannabis com baixo teor de tetrahidrocanabinol (THC) para fins medicinais, farmacêuticos ou industriais no âmbito do Recurso Especial 2.024.250/PR. Possível resultado? A (tão esperada) regulamentação sobre plantação de Cannabis sativa no Brasil.  

A possibilidade de plantar Cannabis sativa para fins medicinais/científicos possui respaldo no parágrafo único do artigo 2º da Lei de Drogas (Lei 11.343/06): “Pode a União autorizar o plantio, a cultura e a colheita dos vegetais referidos no caput deste artigo, exclusivamente para fins medicinais ou científicos, em local e prazo predeterminados, mediante fiscalização (…)”. Contudo, até o momento, nenhuma autorização foi concedida pelo poder público.  

A partir disso, os mais diversos atores recorrem ao Poder Judiciário. Existem muitas ações em trâmite na Justiça para obter autorização para importação, cultivo e manejo da planta Cannabis sativa, seja para fins medicinais, científicos ou industriais, ajuizadas por pessoas físicas, jurídicas e associações. Sem exageros – a cada semana um tribunal brasileiro noticia a concessão de salvo conduto a um paciente ou uma associação de pacientes.  

Os requisitos do IAC (relevante questão de direito, grande repercussão social) dão um pouco do tom da temática. Ao que tudo indica, é no IAC que o STJ pode vir a regulamentar a tão esperada e formal possibilidade de plantar Cannabis no Brasil, destinada a fins medicinais, farmacêuticos e industriais e com baixo teor de THC (critério quimiotaxonômico). Ou seja, parece que um mar verde se abrirá no Brasil, com (grandes) ondas econômicas.  

Recente posicionamento corrobora a possiblidade de vislumbramos possível atuação positiva do STJ: a Secretaria Nacional de Políticas sobre Drogas e Gestão de Ativos do Ministério da Justiça reconheceu no IAC que há elevado grau de insegurança jurídica no atual quadro normativo (omissão do poder público), destacando:

1) incoerência entre coexistência de autorizações de importação de substratos e registro de medicamentos e produtos à base de canabinoides com a proibição absoluta de se obter a planta em território nacional;
2) dificuldade de fiscalização do cultivo a crescente judicialização, que origina autorizações casuísticas e de difícil supervisão por parte das autoridades;
3) alto custo dos produtos de medicamentos à base de canabinoides (obrigatória importação de extrato/insumo ao invés de acesso via plantação local) que resultam em elevado preço final dos produtos;
4) reflexos diretos no acesso universal e igualitário a tratamentos de saúde à base de cannabis (inexistente, apenas parte privilegiada da população e os pacientes com autorizações judiciais acessam o tratamento) e restrições desproporcionais à atividade, ferindo o livre exercício de atividades econômicas.

A secretaria então conclui:  

(…) esta Secretaria considera altamente conveniente uma ampla e adequada regulação da importação e cultivo de variedades de cannabis com baixa concentração de THC para fins industriais, farmacêuticos e medicinais. (…) Trata-se de medida imperiosa para sanar as obscuridades do atual marco regulatório e corrigir as distorções por ele geradas, sobretudo a grande dificuldade de controle pelas agências da segurança pública e demais órgãos de fiscalização das plantações atualmente existentes no território nacional, sejam elas autorizadas pela casuística das decisões judiciais ou a poiadas em atos de desobediência civil” (trecho da Nota Técnica 6/2023/GAB-SENAD/SENACIPAJ). 

Vale lembrar que não é a primeira vez que a plantação e o cultivo de Cannabis sativa será discutido no Brasil. Em 2019, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) abriu Consulta Pública (CP 655/19) para discutir e estabelecer os requisitos para o cultivo da planta Cannabis spp. para fins medicinais e científicos. Na época, a Anvisa decidiu não regulamentar o cultivo, mas apenas regular a comercialização, a prescrição, a dispensação, o monitoramento e a fiscalização de produtos de Cannabis para fins medicinais (originando a RDC 327/19).  

Não seria a primeira vez que o Judiciário atuaria e combateria uma omissão do poder público. Tal atuação já foi vista em diversas frentes e instâncias, sendo amplamente autorizada e reconhecida. O próprio caso da Cannabis medicinal é um exemplo: em 2018 foi o Judiciário quem impôs à Anvisa retirar o THC da lista proibida de substâncias e determinar o seu uso medicinal em substâncias controladas pela agência.  

Ao que tudo indica, plantações verdes estariam se abrindo, com ampla possibilidade de crescimento econômico ao Brasil. Resta o STJ autorizar o desbravamento da terra ou estagnar o assunto. 

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