Relatora no STJ vota para condenar Gladson Cameli a 25 anos de prisão; Noronha pede vista

A Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça (STJ) paralisou nesta quarta-feira (17/12) o julgamento da ação penal contra o governador do Acre, Gladson Cameli (PP), depois do voto da relatora Nancy Andrighi, para condená-lo a 25 anos e 9 meses de prisão. Ele é acusado de desvios de dinheiro público, fraude em licitações e outros crimes envolvendo a contratação de empresa para obras no estado.

O ministro João Otávio de Noronha fez um pedido de vista. Ele pode ficar com o caso por até 90 dias. Até o momento, só há o voto da relatora, ministra Nancy Andrighi. Ela propôs a condenação de Cameli a 25 anos e 9 meses de prisão em regime inicial fechado, além de perda do cargo de governador, pagamento de multa e de indenização de R$ 11 milhões.

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Segundo Andrighi, o governador comandou uma organização criminosa que atuou para fraudar licitações e direcionar a contratação de empresa ligada ao seu irmão, recebendo propinas.

“Restou comprovado que a organização é dividida em camadas e utiliza-se de pessoas jurídicas com objetivo de firmar contratos maculados com fraudes de sobrepreço e superfaturamento”, afirmou a ministra.

A relatora votou para condenar Cameli pelos crimes de dispensa ilegal de licitação, peculato, corrupção passiva majorada, lavagem de capitais e por liderar organização criminosa.

“Gladson e seu irmão, Gledson, arquitetaram esquema para contratação fraudulenta de sociedades empresárias vinculadas a Gledson para prestação de serviços de alto custo no Acre”, disse Andrighi. “Com objetivo de viabilizar o direcionamento de recursos, articulou-se os pactos que implicaram que pagamentos em favor do irmão do governador deveriam se materializar por meio de contratação indireta e velada da Construtora Rio Negro, cujo quadro societário era composto por Gledson”.

STF tem maioria para anular provas

Parte dos elementos usados na investigação contra Cameli estão sendo questionados na 2ª Turma do Supremo Tribunal Federal (STF), em habeas corpus movido pela defesa do governador acreano. Já há maioria de votos para invalidar as provas produzidas contra o governador entre maio de 2020 e janeiro de 2021. O julgamento em sessão virtual do STF termina na sexta-feira (19/12).

A posição no STF não determina o trancamento da ação contra o governador, mas, além de anular as provas produzidas dentro do período especificado, também considera inválidos todos os elementos que delas derivarem.

A defesa entende que não havia condição de a ação ser julgada, pois as provas do processo “são todas decorrentes de uma investigação ilícita”. Já o Ministério Público Federal (MPF) argumenta que apenas parte do material foi anulado e que esses documentos não foram usados para construir provas no caso.

A relatora rejeitou a argumentação da defesa, e disse que a maioria formada no STF “não impacta em nada” o julgamento da ação. Conforme Andrighi, só os relatórios de inteligência financeira que trataram de alvos próximos ao governador foram anulados, por usurpação da competência do STJ. Os documentos foram solicitados enquanto a investigação estava no Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1), que não pode processar governadores.

O que diz a denúncia contra Gladson Cameli

Cameli é acusado de liderar uma organização criminosa composta por núcleos político, familiar e empresarial. Segundo a acusação, ele operaria um esquema de contratação fraudulenta de empresas ligadas ao seu irmão, com superfaturamento e desvio de verbas públicas.

O Ministério Público Federal (MPF) acusa o governador dos crimes de dispensa indevida de licitação, peculato, corrupção passiva, lavagem de dinheiro e pertencimento a organização criminosa. A denúncia foi recebida em maio de 2024. As acusações contra outras 12 pessoas foram desmembradas e enviadas para a 1ª instância.

De acordo com o MPF, as práticas teriam começado em 2019, e levaram a um prejuízo de mais de R$ 16 milhões aos cofres públicos.

Os desvios se baseiam em fraudes em licitação na contratação da empresa Murano Construções Ltda para obras de engenharia viária e edificações. O caso foi identificado na Operação Ptolomeu.

O que dia o MPF sobre Gladson Cameli, governador do Acre

Em manifestação durante o julgamento, o vice-procurador-geral da República, Hindemburgo Chateaubriand disse que há “prova farta” no sentido de que os desvios imputados “foram integralmente revertidos em benefício dos participantes do esquema”.

“Quanto à participação do governador, são vários os fatos que demonstram se já não bastasse seu envolvimento direto no negócio da empresa do irmão. Ele escolheu pessoas próximas a si e de sua confiança para cargo na secretária de infraestrutura, pois era a responsável pela assinatura do contrato com a Murano. Ele participou de forma absolutamente incomum em atos corriqueiros que envolviam a execução desse contrato”, afirmou.

Chateaubriand também disse que o STJ já analisou e rejeitou questões preliminares apresentadas pela defesa, como a usurpação da competência na requisição dos relatórios de inteligência financeira (RIFs), a ilegalidade na requisição de RIF ao COAF, e a usurpação da competência da Justiça Eleitoral.

O que diz a defesa do governador do Acre

Em manifestação na tribuna, a defesa de Cameli rebateu o enquadramento feito pela acusação das condutas envolvendo a licitação e contratação da empresa. Conforme o advogado José Eduardo Cardozo, houve confusão entre conceitos.

“Registro de preço não é inelegibilidade ou dispensa de licitação. Não posso entender que o que não é dispensa ou inelegibilidade seja transformado em dispensa e inexigibilidade apenas por que o raciocínio era tentar burlar”, afirmou.

Cardozo também contestou a classificação de que a empresa Murano teria subcontratado uma firma do irmão do governador. “Não houve subcontratação. É perfeitamente possível que na execução de obras uma empresa contratada subcontrate empresas. A Rio Negro foi contratada, mas para fazer certas situações instrumentais, de alocação, de fornecimento de mão de obra e não como subcontratação”.

Também pela defesa, o advogado Francisco Felippe Lebrão disse que a acusação não comprovou que Cameli mandaria em assuntos de contratos da secretaria de Infraestrutura, responsável por firmar o contrato com a Murano. “A fiscalização, execução e pagamento de contrato devem ser da própria secretaria. É de sua inteira atribuição, que tem dotação orçamentária específica. O MP não demonstrou que o governador mandava na secretaria”, afirmou.

Conforme o advogado, a denúncia não traz prova de solicitação da vantagem indevida.

Para a defesa, a acusação também não demonstrou e nem descreveu a existência da organização criminosa. “Associa-se equivocadamente a estrutura de governo e laços familiares como se isso fosse automaticamente uma organização criminosa”.

Lebrão reforçou que a ação não poderia ser julgada pois o Coaf apresentou no dia anterior documentos ao processo, e que não houve tempo para analisar o material.

O envio das informações sobre o caso foi determinado em novembro pelo ministro Gilmar Mendes, do STF, atendendo um pedido da defesa.

Ele também disse que a investigação deve ser anulada, pois tem irregularidades desde o início. O argumento é o de que a Polícia Federal passou a investigar Cameli sem a autorização do STJ, que é o foro competente para processar governadores.

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