Entidades que atuam na área da comunicação, acesso à informação e internet apresentaram à Comissão de Ética Pública (CEP) da Presidência da República uma denúncia de suposto conflito de interesse na contratação do ex-diretor da Agência Nacional de Proteção de Dados (ANPD) Arthur Pereira Sabbat pelo escritório Opice Blum, que tem atuação em direito digital e proteção de dados.
A comissão não viu conflito de interesse quando analisou o caso, em setembro. O pedido das organizações é para que o órgão reconsidere sua decisão.
As entidades questionam a falta do cumprimento da quarentena de seis meses para que ex-ocupantes de cargos no Executivo possam trabalhar em empresas que atuem na mesma área.
Conheça o JOTA PRO Poder, plataforma de monitoramento que oferece transparência e previsibilidade para empresas
Segundo o pedido ao qual o JOTA teve acesso, as organizações entendem que o caso cria um “precedente perigoso de ‘porta giratória’”.
Antes de ir para a empresa, o próprio Sabbat fez uma consulta à CEP sobre a possibilidade de assumir a função na banca de advocacia. Em setembro, o órgão entendeu que não havia conflito de interesse, desde que ele não atue perante a ANPD ou em casos em que participou na autarquia, por seis meses.
Diretor do Conselho Diretor da ANPD até 5 de novembro, Sabbat foi anunciado pelo escritório em 12 de novembro como “consultor estratégico de relações institucionais”.
Ao anunciar a contratação, em seu perfil no LinkedIn, o escritório disse que Sabbat “traz a visão de quem viveu o processo por dentro” e que “agora ajuda empresas a compreender e se adaptar a esse novo momento da regulação”.
Ao JOTA, o Opice Blum disse que “todos os trâmites legais foram observados e respeitados para a atuação de Arthur Sabbat como consultor. O escritório acompanhará a decisão da Comissão de Ética Pública”.
A reportagem não conseguiu contato com Arthur Sabbat. O espaço segue aberto.
Desequilíbrio à concorrência
O pedido à CEP foi assinado nesta segunda-feira (15/12) por representantes do Instituto de Referência em Internet e Sociedade (IRIS), do Direito à Comunicação e Democracia (DiraCom), da ARTIGO 19 Brasil e América do Sul e o Instituto de Defesa de Consumidores (Idec).
Conforme o documento, a Comissão de Ética Pública “partiu de premissa equivocada” ao analisar o tipo de proibição que seria aplicável ao caso, e ignorou a necessidade da quarentena.
O argumento é que o escritório Opice Blum é uma empresa cuja atividade principal “abarca exatamente a área de proteção de dados pessoais”.
De acordo com a lei que regula situações do tipo no Poder Executivo federal (12.813/2013), configura conflito de interesse, nos seis meses após o desligamento, aceitar cargo de conselheiro com pessoa jurídica que desempenhe atividade relacionada à área de competência do cargo ocupado.
“A vedação é objetiva e a norma é autoaplicável: o vínculo é vedado por natureza, independentemente de relacionamento prévio ou de eventual risco concreto”, diz o documento.
“Ao permitir a imediata atuação do ex-Diretor em ente privado que atua no mesmo ecossistema regulatório que ele acabara de fiscalizar, a decisão esvazia a eficácia preventiva do instituto da quarentena, transformando a regra obrigatória em exceção”.
Ainda conforme o pedido, as obrigações determinadas pela CEP a Sabbat são insuficientes, pois deveriam vedar a sua atuação em todo o setor regulado, e não só perante a ANPD.
“O ex-Diretor detém informações privilegiadas sobre a estratégia regulatória, o calendário de fiscalização e as diretrizes internas da ANPD, às quais até bem recentemente detinha total acesso. Ao atuar como conselheiro do escritório de advocacia, ele transfere esse capital informacional público para a esfera privada, desequilibrando a concorrência e ferindo o interesse público, independentemente de assinar petições ou participar de reuniões na sede da Autarquia”, diz a denúncia.
Sem conflito
Ao analisar o caso, a Comissão de Ética Pública entendeu que não existem conflitos de interesse. Conforme voto da conselheira relatora Vera Karam de Chueiri, “algumas das áreas de atuação” da empresa “guardam relação temática” com o setor estratégico em que o Sabbat desempenhou suas funções de alta direção.
Para ela, impor a quarentena apenas para atuação diante da administração pública poderia ser um “excesso de aplicação da norma”.
“Considerando que suas atividades [no escritório] poderão se desenvolver tanto na esfera privada — prestando consultoria a empresas — quanto na esfera pública — junto a órgãos da Administração Pública Federal, repartições, instituições, sindicatos, associações de classe e empresas públicas —, a imposição de quarentena apenas pela possibilidade de atuação perante a Administração Pública configuraria, em princípio, um excesso na aplicação da norma”.
Assine gratuitamente a newsletter Últimas Notícias do JOTA e receba as principais notícias jurídicas e políticas do dia no seu email
A relatora também disse que Sabbat “não demonstra extenso grau de relacionamento” com a empresa que possa afetar a esfera pública. Na consulta à CEP, o ex-diretor disse ter sido convidado pelo escritório para “eventos técnicos promovidos com essa pessoa jurídica”.
Conselheiro de alto nível
Nas informações prestadas à CEP, Sabbat disse ter tido acesso a informações privilegiadas durante o tempo em que atuou na ANPD. “Tive acesso em caráter de sigilo a documentos preparatórios e a decisões do Conselho Diretor; tive, ainda, acesso a futuras decisões no campo da normatização e da fiscalização da ANPD”, disse, conforme dados do processo.
Sabbat informou, também, que atuaria no escritório como “conselheiro de alto nível, agregando minha expertise única às frentes mais estratégicas” do Opice Blum.