Decreto do PAT amplia insegurança regulatória

O Decreto 12.712/2025, que reformula o Programa de Alimentação do Trabalhador (PAT), acendeu um alerta nos setores jurídico e empresarial pela forma como as mudanças estruturais foram conduzidas. Trata-se de um decreto com vícios graves de inconstitucionalidade. 

Ao promover as alterações no PAT sem amparo legal e extrapolar o poder regulamentar do Executivo, ele gera insegurança jurídica para toda a cadeia, especialmente para as empresas do setor e as contratantes de benefícios, como aponta a Associação Brasileira das Empresas de Benefícios ao Trabalhador (ABBT).

A Análise de Impacto Regulatório (AIR), por exemplo, constitui uma etapa obrigatória para alterações dessa magnitude. Caso não tenha sido cumprida pelo Governo antes do decreto, evidencia a fragilidade e compromete a legitimidade do ato pela falta de previsibilidade das consequências da regulação.

Ao criar obrigações não previstas em lei, o Executivo invade a competência legislativa, prática declarada inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal (STF) em casos semelhantes. Há de se levar em conta, ainda, a potencial violação ao princípio da legalidade e à reserva legal, pois benefícios trabalhistas devem ser regulados por lei, e não por decreto, conforme determina a Constituição (art. 5º, II). Precedentes reforçam essa tese: decisões nas ADIs 5624 e 1946, por exemplo, confirmam que decretos não podem inovar no ordenamento jurídico.

A ABBT indica ainda que outro ponto crítico é a imposição do arranjo aberto, que ameaça desmantelar o modelo fechado, reconhecido pela qualidade dos processos de monitoramento e de fiscalização instituídos ao longo dos anos. Atualmente, cerca de 3.500 estabelecimentos são descredenciados por ano por causa de suspeitas de fraude ou desvio de finalidade.

Práticas ilegais comuns incluem troca do vale-refeição por dinheiro, uso do benefício para compra de bebidas alcoólicas ou produtos não alimentícios, emissão de notas frias para simular consumo, criação de redes fictícias de estabelecimentos para burlar credenciamento e conluio entre empresas e usuários para desviar recursos. Sem esse filtro, o programa fica mais vulnerável e o trabalhador, menos protegido.

Ao desvirtuar a finalidade original do PAT de assegurar qualidade nutricional e saúde aos trabalhadores, o benefício pode se transformar em mero meio de pagamento. O arranjo aberto estabelecido no decreto ameaça a execução de um programa que há quase cinco décadas beneficia mais de 24 milhões de trabalhadores, com 1 milhão de estabelecimentos credenciados e 3 bilhões de refeições servidas por ano, segundo dados da Confederação Nacional dos Municípios (CNM). 

Os trabalhadores atendidos pelo PAT têm até 30% menos afastamentos por doenças relacionadas à alimentação, como diabetes e hipertensão, o que se reflete em maior produtividade. Para as empresas que contratam os benefícios, a mudança traz incerteza operacional e risco de aumento de custos. O programa sempre foi um instrumento de saúde, produtividade e competitividade, e qualquer alteração precisa considerar os reflexos na gestão de pessoas, que são a força estratégica para a sustentabilidade e o propósito empresarial.

O impacto técnico também é relevante. O cenário estabelecido pelo decreto, com prazos incompatíveis com a complexidade das mudanças, coloca o ambiente de benefícios alimentares em sério risco de colapso do serviço e de erros de implantação em escala.

As mudanças não são simples. Exigem reengenharia completa nos sistemas financeiros, abrangendo contratos, infraestrutura crítica de uma rede que conecta empresas de benefícios, adquirentes (maquininhas), processadoras, sistemas antifraudes, lojas e consumidores. Essas alterações demandam planejamento minucioso, testes e migração cuidadosa para garantir que os pagamentos sejam processados corretamente e que os recursos cheguem ao destino com segurança.

Igualmente importante é o impacto econômico-financeiro, uma vez que o decreto coloca em risco a continuidade das empresas autorizadas a funcionar, que ajudaram a construir e viabilizam o PAT desde o seu início. Trata-se de insegurança jurídica, uma questão que no Brasil consome recursos significativos.

Estudos da Confederação Nacional da Indústria (CNI) e do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) mostram que empresas destinam até 2% do faturamento anual para litígios trabalhistas e tributários, enquanto o chamado “custo Brasil”, que inclui instabilidade regulatória, burocracia e infraestrutura deficiente, chega a R$ 1,7 trilhão por ano, cerca de 20% do PIB.

É um cenário que reduz competitividade, desestimula investimentos e obriga companhias a alocar capital em provisões e compliance, em vez de inovação e expansão. Mudanças frequentes e sem a devida análise de impacto reforçam essa percepção de risco regulatório, afastando investidores e pressionando a sustentabilidade do setor.

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