A anemia por deficiência de ferro é uma doença comum, que atinge principalmente crianças pequenas e mulheres em diferentes fases da vida. Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), 40% das crianças de seis meses a cinco anos, 37% das gestantes e 30% das mulheres entre 15 e 49 anos são afetadas pela condição. No Brasil, a prevalência chega a quase 10% entre adultos e idosos e a 29% das mulheres em idade fértil. Porém, embora seja facilmente detectada por exames de sangue, tratar a condição ainda é um desafio para quem depende do Sistema Único de Saúde (SUS).
Apesar de ser uma condição comum, o grande gargalo ainda é o tratamento, dado que o acesso a tecnologias mais eficazes e modernas ainda não é realidade no SUS. O resultado disso é um impacto direto na qualidade de vida e no bem-estar de quem precisa de um cuidado adequado, mas tem que conviver com sintomas que poderiam ser evitados, como fadiga, falta de ar, tontura e disfunção cognitiva.
É importante destacar que o ferro oral, embora amplamente utilizado, nem sempre garante resultados satisfatórios, especialmente em casos mais graves ou em pacientes com baixa absorção intestinal. O ferro intravenoso, por sua vez, é mais potente e eficaz, mas ainda enfrenta limitações quando o assunto é o acesso via SUS. Explico melhor.
Em 2023, o Ministério da Saúde atualizou dois Protocolos Clínicos e Diretrizes Terapêuticas (PCDTs), guias de cuidado, e incorporou uma nova tecnologia no SUS para o tratamento de pacientes adultos com anemia por deficiência de ferro. De acordo com a portaria GM/MS Nº4.228, que dispõe sobre o processo administrativo de incorporação de tecnologias em saúde no SUS, a dispensação deveria acontecer em um prazo não superior a 180 dias, contados da data em que foi protocolado o requerimento, com prorrogação por 90 dias, caso as circunstâncias exigissem. Contudo, dois anos se passaram e o medicamento ainda não é fornecido.
A escolha entre os diferentes tipos de tratamento não deveria ser uma questão de burocracia ou disponibilidade irregular, mas sim de efetividade clínica e do direito do paciente a um cuidado resolutivo. Infelizmente, em muitos casos, não é isso que acontece hoje.
Devido à falta de acesso ao cuidado adequado, não é incomum que médicos recorram à transfusão de sangue para o tratamento de anemias mais acentuadas por deficiência de ferro. No entanto, essa medida deveria ser um último recurso, especialmente porque já há tecnologia eficaz para o tratamento da doença e porque o sangue é um recurso finito e extremamente necessário para outros casos urgentes.
Além de impactar no estoque de bancos de sangue, a transfusão tem um custo muito mais elevado para o governo e só deveria ser indicada em casos específicos, como pacientes com anemia grave que não tiveram respostas adequadas aos demais tratamentos.
Neste sentido, é urgente que o Ministério da Saúde publique os Protocolos Clínicos e Diretrizes Terapêuticas que envolvam o cuidado adequado da anemia por deficiência de ferro, para que o acesso aos medicamentos seja uma realidade para quem precisa. A doença não é apenas uma questão individual, mas um desafio de saúde pública que afeta a produtividade, a economia e o bem-estar coletivo. Trata-se de condição tratável, mas, infelizmente, ainda negligenciada.