A Secretaria Nacional do Consumidor (Senacon) pretende endurecer a fiscalização sobre o comércio ilegal no ambiente digital e aumentar a responsabilidade de bancos e plataformas digitais a partir de 2026, diz o chefe da pasta, Paulo Henrique Pereira.
Ao JOTA, Pereira afirmou que relançará, nesta semana, o Conselho Nacional de Combate à Pirataria e aos Delitos contra a Propriedade Intelectual (CNCP). Ele espera que as iniciativas da Senacon tragam resultados concretos já para o primeiro semestre de 2026.
“Criaremos um histórico para mostrar quais são as empresas mais denunciadas, quais têm mais comércio ilegal e quais agem mais rápido em defesa dos consumidores. Na sequência, vamos punir as empresas que não agirem, aplicando sanções previstas em lei: multa, suspensão da habilitação de venda, cassação de alvará e assim por diante”, disse.
Pereira assegura que a atuação da Senacon terá como foco não só os marketplaces, mas também a responsabilização das redes sociais no combate às fraudes.
Confira abaixo os principais trechos da entrevista:
O Ministério da Justiça lançou, na última semana, um plano de ações contra fraudes bancárias digitais, com foco em bancos e plataformas. Como a Senacon atuará contra fraudes no meio digital?
O tema das fraudes é importante por vários motivos. Em primeiro lugar, porque ele lesa consumidores. Depois, ele fortalece o mercado ilegal, que hoje é muito interconectado. Nós vivemos recentemente a crise do metanol. E o mercado da fraude digital, o famoso “golpe do zap”, muitas vezes está conectado com a falsificação de bebidas, com a lavagem de dinheiro, com o tráfico de drogas, com o combustível ilegal. Isso ganhou centralidade na Senacon porque há uma conexão entre esses temas.
O plano é parte de um conjunto de ações. Estamos desenvolvendo um trabalho mais amplo para evitar fraudes digitais em geral. O próximo ano da nossa gestão será muito focado no combate ao comércio ilegal. Não se trata só de falsificação, mas também de produtos que são frutos de roubo, de furto ou de descaminho e que prejudicam a sociedade, porque não pagam tributos e alimentam outras ilegalidades.
Como o senhor vê a atuação do comércio ilegal em plataformas digitais?
Há 20 anos, quem quisesse comprar um tênis pirata provavelmente pegaria um ônibus, iria até uma feira e encontraria a barraca específica daquele produto. Era um comércio menor, localizado e identificado. O consumidor comprava sabendo que era pirata.
Hoje, os produtos piratas são vendidos nos mesmos ambientes dos produtos legais. Muitas vezes o consumidor nem consegue identificar. O pânico com as bebidas é um exemplo: como saber se a bebida que você compra é legal ou falsificada? Essas plataformas estão vendendo esses produtos em uma escala gigante, inédita. O comércio ilegal, em parte pela possibilidade das plataformas, virou algo gigante no Brasil.
Diante desse cenário, qual é o tipo de cobrança e responsabilidade adicional que vocês pretendem impor para plataformas digitais?
Vamos fazer duas coisas. Primeiro, essas plataformas e esses bancos digitais vão ter que entender a gravidade do que está acontecendo e agir com firmeza para coibir essas práticas. Tudo bem, o banco não tem culpa de, em um primeiro momento, ter aberto uma conta que depois é usada em fraude de PIX. Mas, a partir do momento em que há uma denúncia e um nível de prova razoável, ele passa a ter a obrigação de agir. O mesmo vale para as plataformas.
Segundo, precisaremos aumentar o nível de responsabilidade dos instrumentos digitais em relação à qualificação dos fornecedores. Uma plataforma não pode mais dizer que é só um espaço para anunciar, em que qualquer um anuncia o que quiser. Não cabe isso na lei brasileira.
E o que as plataformas precisarão fazer de diferente para se adequarem a esse processo?
Qualificar melhor a investigação, a habilitação e o processo de seleção dos fornecedores. Se você vai a um supermercado físico comprar um suco e esse suco tiver uma toxina, o supermercado é responsável. As plataformas terão que caminhar para um modelo mais próximo a isso, um espaço em que elas demonstrem que têm nível de cautela razoável para qualificar o fornecedor. Nós precisaremos criar mecanismos que aumentem o nível de responsabilidade delas sobre o que elas vendem.
O senhor entende que as plataformas digitais facilitam o trabalho do comércio ilegal no país? De que forma isso ocorre?
As plataformas têm suas políticas internas [contra fraudes e pirataria]. Nós vamos abrir processos de investigação e de apuração de denúncias para entender quais dessas políticas funcionam, quais não funcionam, que tipos de fraude elas conseguem identificar e quais passam batido.
Quando falo em plataformas, estou olhando principalmente para os marketplaces, mas há outros atores importantes, como as empresas digitais de comunicação. Muitas fraudes digitais se viabilizam por meio de disparos de mensagens em redes sociais. Não se trata de o governo controlar conteúdo, mas de as empresas terem mais rigor para identificar quando uma mensagem está ligada a uma fraude.
Teremos que aumentar o nível de responsabilidade em dois pontos: primeiro, agir rápido quando se identifica uma fraude — e, em geral, as empresas têm demonstrado colaboração e boa vontade —, e em segundo lugar, elevar o controle, a seleção e a habilitação de quem envia mensagens e dos fornecedores de produtos que circulam nas redes sociais.
Quais outras iniciativas integrarão esse esforço contra o comércio ilegal?
A Senacon está fazendo esforços para equipar o Conselho Nacional de Combate à Pirataria (CNCP), melhorar o sistema de fiscalização com as polícias, com a Receita Federal, com a Anvisa, e assim por diante. No próximo dia 11 de dezembro, relançaremos o CNCP, um instrumento criado pelo ministério que traz para a mesa todos os órgãos do governo que são importantes para o comércio legal, como a Polícia Federal, a Polícia Rodoviária Federal, a Secretaria de Segurança Pública e a Receita Federal, além de representantes dos mercados legais.
Quais ações estarão no radar do CNCP para o próximo ano?
Em primeiro lugar, o Conselho montará uma mesa de operação, com agentes públicos, técnicos e colaboração do mercado, para encurtar o caminho entre quem detecta o problema e quem pode agir. Por exemplo: se a indústria de bebidas identifica um foco de bebida ilegal, poderá encaminhar a informação ao Conselho, que repassará à polícia da região, à Receita Federal e à PRF. Essa dinâmica de circulação de informações é o que chamamos de mesa de operação.
Depois, o Conselho criará uma política para aumentar as denúncias e a fiscalização dos ambientes de comércio digital. As empresas do meio digital que comercializarem produtos ilegais serão notificadas para retirar o conteúdo. Vamos criar um histórico de quais são as empresas mais denunciadas, quais têm mais comércio ilegal e quais agem mais rápido em defesa dos consumidores. Puniremos as empresas que não agirem, aplicando as sanções previstas em lei: multa, suspensão da habilitação de venda, cassação de alvará e assim por diante.
Há prazo para essas ações serem colocadas de pé?
Todas essas políticas precisam começar a funcionar e a dar resultado no primeiro semestre do ano que vem, porque nosso mandato é curto.