Justiça climática para crianças e adolescentes

“Cuidem de nosso planeta agora. Queremos continuar vivos e vivas!
Crescer num mundo bonito, num mundo que ainda respire. Com
esperança e sem medo” (Carta da Cúpula das Infâncias, Belém, 15.11.2025)

Iniciamos este artigo antecipando as vozes e os saberes de crianças e adolescentes em trechos de documentos em que apresentam suas reivindicações por justiça climática.

São vozes que ecoam de todo o mundo, reiterando, a cada novo documento, o alerta máximo de que não podemos mais esperar para fazer as mudanças estruturais que reduzam o aquecimento global e promovam políticas climáticas reconhecendo as desigualdades de afetação aos sujeitos e grupos sociais.

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No caso de crianças e adolescentes, urge a sua inclusão nos espaços de tomada de decisão, como na 30ª Conferência das Partes sobre o Clima (COP30), realizada em Belém em novembro, que reconheceu, pela primeira vez, crianças e adolescentes de forma transversal nas decisões centrais da política climática internacional.

A COP30, nesse sentido, foi histórica, com destaque para o fato de que as vozes de crianças e adolescentes, especialmente amazônidas, chegaram ao centro do debate climático por meio de várias frentes, como no Diálogo Intergeracional – evento de alto nível, na agenda oficial da COP30, que contou com participação da presidência da COP30, e inclusive com sua própria Cúpula das Infâncias, que reuniu cerca de 600 crianças e adolescentes na Universidade Federal do Pará em Belém.

A Carta da Cúpula das Infâncias, escrita por meninas e meninos representantes de diversos territórios brasileiros e do mundo, foi entregue diretamente para a Presidência da COP30 e para outras autoridades brasileiras presentes no ato de encerramento da Cúpula dos Povos.

O que essas vozes trazem não é apenas um apelo emocional, mas um diagnóstico vivo, preciso, cotidiano e corporal dos impactos das mudanças climáticas nos seus direitos fundamentais. Sem dúvidas, trata-se de um ato de protagonismo das infâncias e sintetiza aquilo que a ciência vem afirmando e que a política institucional ainda hesita em assumir: a mudança do clima é real, e as crianças e adolescentes são afetadas de forma desproporcional.

“A crise climática é uma crise nos direitos de crianças e adolescentes”, assim o Unicef vaticina em seu relatório sobre os impactos climáticos nas crianças e adolescentes. E complementamos: as soluções climáticas precisam ser, também, antiadultocêntricas, e, para isso, crianças e adolescentes precisam ser reconhecidos como sujeitos de conhecimentos e políticos, além de sujeitos de direitos no contexto das mudanças climáticas, participando da tomada de decisão em igualdade de condições com as pessoas adultas e respeitando a inclusão de representações de suas diversidades sociais.

Por certo, a situação que vivenciamos com o aumento das temperaturas globais e a ocorrência de um número cada vez maior de eventos climáticos extremos, como enchentes, ondas de calor e de frio, secas de rios na Amazônia e em outros locais do país, entre outros, decorrente da emissão de gás carbônico e outros gases produzidos pelas atividades humanas, especialmente as industriais, o desmatamento e a pecuária, tem causado impactos diretos e desproporcionais nas vidas e nos territórios de crianças e adolescentes.

Dor de cabeça, tontura, salas de aula insuportavelmente quentes, fumaça de queimadas, rios poluídos, dificuldades de brincar, estudar e circular com segurança em seus territórios e comunidades, relatados na Carta das Infâncias, são indicadores vivos de violações de direitos previstos no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), na Constituição Federal e em normativas internacionais como Convenção dos Direitos da Criança.

Enquanto muitos discursos ainda tratam o clima como uma questão ambiental ou econômica, as crianças e adolescentes o apresentam como uma questão de sobrevivência, saúde, dignidade e futuro que se constrói no presente.

Para responder a essa situação, é preciso direcionar esforços para fortalecer o Sistema de Garantia dos Direitos da Criança e do Adolescente (SGDCA) no seu papel de prestar os atendimentos necessários às crianças e adolescentes, com base em orientações que consigam dar segurança, planejamento e integração à tarefa de atuação diuturna na proteção integral desses sujeitos.

No contexto das mudanças do clima e dos eventos climáticos extremos, isso significa compreender que a justiça climática só pode ocorrer, de fato, se crianças e adolescentes foram tratados com dignidade e prioridade na garantia dos seus direitos e nas respostas climáticas a serem executadas.

No Brasil, as enchentes ocorridas no Rio Grande do Sul, em maio de 2024, despertaram um alerta no Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda), que elaborou uma Recomendação para orientar os trabalhos do SGDCA no atendimento de crianças e adolescentes em tal situação e o Instituto Alana e parceiros construíram um Guia que fortalece e amplia o conteúdo contido na Recomendação.

Já em 3 de outubro de 2025 – cerca de um mês antes da COP – o Conanda aprovou a Resolução 273, a primeira normativa nacional a formular diretrizes para a atuação do SGDCA no contexto das mudanças climáticas, e tendo por horizonte central a prioridade absoluta, a justiça climática e a equidade intergeracional em prol dos direitos de crianças e adolescentes.

A Resolução foi estabelecida a partir de dois marcos estruturais: primeiro, a organização do SGDCA, pautada na Resolução 113/2006 do Conanda e dividida em três eixos de atuação correspondentes à promoção e à defesa dos direitos, além do controle social; e, segundo, as dimensões das políticas climáticas, relacionadas aos aspectos da prevenção, da mitigação, da adaptação, das perdas e danos, e da recuperação e reparação.

E mais, mostrando que em todos os aspectos as crianças e adolescentes precisam ser pensadas com a prioridade necessária para garantir seus direitos e condições de vida, reconhecendo que crianças e adolescentes pertencentes a grupos sociais que são ainda mais afetados pelas mudanças climáticas merecem um tratamento diferenciado, sendo as moradoras de favelas e comunidades urbanas periféricas, pessoas negras, LGBTQIA+, em situação de rua, neurodiversos, com deficiência, além das que pertencem a povos indígenas, comunidades quilombolas e povos e comunidades tradicionais existentes no Brasil.

De seu conteúdo, gostaríamos de destacar três elementos. O primeiro é de caráter preventivo e diz respeito à efetivação da educação ambiental e climática nas escolas (Art. 7º, Inc. I), a primeira proposição contida na Resolução, e uma das mais importantes para a formação crítica das novas gerações para a preservação do meio ambiente e a adoção de práticas de produção e consumo mais sustentáveis e justos.

A educação ambiental e climática coloca a escola no papel central de fomentadora da ética do cuidado com a natureza (até porque “somos natureza, o planeta é natureza. A natureza é tudo!”, como ressaltam crianças e adolescentes na Carta da Cúpula das Infâncias), inclusive através de iniciativas de incidência política e impacto comunitário que reverberem para as famílias e a sociedade.

Nesse contexto, com apoio institucional do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE), o Instituto Alana lançou recentemente a publicação “Educação baseada na Natureza – Um guia para escolas mais verdes e resilientes”, um guia prático que propõe soluções para integrar educação de qualidade, natureza e resiliência climática nas escolas.

O segundo aspecto é o das políticas de adaptação climática. A COP30, por meio do Objetivo Global de Adaptação, abrange pela primeira vez a proteção da vida e da infraestrutura como indicadores, além de ampliar a meta por financiamento. Existe uma necessidade cada vez maior de que os equipamentos e serviços, especialmente as escolas e espaços comunitários de socialização de crianças e adolescentes (como praças, parques, centros comunitários e clubes), adaptem suas infraestruturas e dinâmicas de trabalho considerando as mudanças no clima.

A Resolução, em diversos trechos, ressalta que esses serviços precisam estar disponíveis para serem utilizados por crianças e adolescentes com segurança e conforto em diferentes configurações climáticas do território em que estão localizados, e possuindo planos de contingência no caso da ocorrência de eventos climáticos extremos.

Em particular, é necessário ter uma atenção especial com os espaços de alojamento provisório que recebem crianças e adolescentes cujas moradias e/ou convivência familiar foram afetados pelos eventos climáticos extremos. Ademais, a Resolução reforça a importância de municípios e estados garantirem a consideração de crianças e adolescentes na elaboração ou na revisão dos Planos de Adaptação Climática.

Por fim, uma terceira questão a ser destacada é a do direito à participação como um elemento central da produção de justiça climática pela ótica de crianças e adolescentes. Na Resolução 273/2025 do Conanda a participação está colocada como um direito de incidência transversal em todo o seu conteúdo, de modo a indicar que crianças e adolescentes podem e devem ser incluídos em todas as dimensões das políticas climáticas e do SGDCA.

Suas contribuições são muito relevantes e precisam ser consideradas, respeitando a autonomia progressiva que preza a Convenção sobre os Direitos da Criança, no seu artigo 12, e que reconhece a progressividade do desenvolvimento de crianças e adolescentes para o agir participativo e cidadão, e não sua incapacidade, como acaba sugerindo o Código Civil Brasileiro.

Nesse cenário, é fundamental a dimensão do acesso à justiça. A Resolução prevê, no âmbito da recuperação e reparação, a garantia de acesso à justiça, escuta qualificada e reparação integral dos direitos de crianças e adolescentes violados em eventos climáticos, inclusive em contexto de litígios e ações coletivas.

Todavia, cabe ressaltar que para além de reagir, a Resolução apresenta de forma contundente que é preciso atuar de forma preventiva antes que as violações ocorram, sendo essencial a participação ativa das crianças e adolescentes nos processos decisórios que afetam suas vidas e direitos.

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Como sintetizado no artigo 31, inciso V, da referida Resolução, é necessário estimular a promoção de espaços permanentes e diversos de diálogos intersetoriais e intergeracionais que integrem crianças e adolescentes como sujeitos de direitos e como sujeitos políticos sobre suas vidas e coletividades geracionais. Ou, como dito por adolescentes do Comitê de Participação Adolescente (CPA) do Conanda: nada sobre nós, sem nós. Assim, as soluções climáticas terão um maior potencial de se tornarem, efetivamente, sustentáveis, democráticas e intergeracionais.

O processo de implementação da Resolução 273/2025 pelo SGDCA tem agora a oportunidade de articular-se com a força política da COP30 e imprimir uma nova era na proteção integral. Ao incorporar o clima como eixo estruturante das políticas públicas para crianças e adolescentes, considerando suas identidades plurais, contextos e realidades diversas, afirmamos sua participação ativa e uma escuta verdadeira de vozes historicamente silenciadas.

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