COP30 e o fundo das florestas: entre o entusiasmo diplomático e a realidade financeira

A Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas (COP 30), ocorrida em Belém-PA, que se encerrou no último dia 22 de novembro, foi objeto de atenção no mundo todo, como era de se esperar. Muitas discussões e polêmicas, tanto em relação às questões centrais objeto da reunião global, quanto a aspectos internos, especialmente ligados à precariedade da infraestrutura e da organização. Mas há questões relevantes para as quais é importante chamar a atenção, e entre elas estão as que envolvem o Direito Financeiro. No caso, a que mais se destacou foi a criação do “Fundo das Florestas”.

O lançamento do Tropical Forests Forever Fund (TFFF), em tradução livre, “Fundo Florestas Tropicais para sempre” foi celebrado como um avanço diplomático: mais de trinta chefes estrangeiros, a presença do Secretário-Geral da ONU e do Banco Mundial, US$ 5,5 bilhões em aportes iniciais e a adesão de 53 países à Declaração de Lançamento, que precedeu o início das atividades da COP30.[1] A apresentação oficial destacou a criação desse que é um mecanismo multilateral capaz de combinar capital soberano e privado, apoiar florestas em mais de setenta países e multiplicar os orçamentos ambientais de vários Estados tropicais. Mas a análise das disposições do TFFF revela um desenho menos comemorativo e muito mais complexo. Como já se viu no debate sobre o Fundo Amazônia e o Fundo Clima, o contraste entre entusiasmo político e a realidade financeira costuma ser grande — e é nele que reside o conteúdo substantivo desse instrumento.

Os fundos orçamentários constituem instrumentos essenciais para a implementação de políticas públicas, pois permitem a operacionalização de recursos de forma mais segura, estável e vinculada a fontes específicas de receita. Ao conferir maior autonomia à gestão e previsibilidade ao fluxo financeiro, contribuem para um planejamento mais eficiente e para uma execução mais adequada das ações governamentais.

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O Tropical Forests Forever Fund (TFFF) é uma iniciativa internacional liderada pelo Brasil, construída em parceria com outros países tropicais e com potenciais financiadores globais, que tem como objetivo central estabelecer um mecanismo capaz de oferecer pagamentos anuais, substanciais e de longo prazo a países em desenvolvimento que possuam florestas tropicais e subtropicais úmidas (TSMBF) — os chamados Tropical Forest Countries (TFCs).

Diferentemente dos modelos tradicionais de financiamento climático, o TFFF baseia suas recompensas no estoque de floresta em pé e nas áreas efetivamente restauradas, calculados em hectares, e não em emissões evitadas de CO₂. Esse desenho busca valorizar a conservação contínua e a integridade ecológica de grandes áreas florestais, estimulando políticas de preservação que ultrapassam a lógica restrita das compensações de carbono.

Além disso, a iniciativa determina que ao menos 20% dos recursos recebidos por cada país sejam destinados diretamente às comunidades indígenas, locais e tradicionais, garantindo que os benefícios alcancem quem exerce papel central na proteção e gestão sustentável das florestas.

O TFFF redefine o financiamento ambiental ao usar instrumentos essencialmente orçamentários dentro de uma arquitetura de capital alavancado. Conforme a Nota de Conceito[2], estrutura-se com uma separação rígida entre um mecanismo político — um FIF no Banco Mundial — e um fundo de investimento independente (TFIF), cujo dever fiduciário é voltado ao mercado de capitais. Em essência, aplica ao financiamento climático a lógica da securitização: máxima proteção aos credores e transferência do risco ao elo institucional mais frágil, agora transposta para a governança ambiental.

O que se apresenta como inovação, na prática, é a contratualização da política ambiental em grau inédito. Países florestais assumem obrigações em troca da expectativa de transferências de recursos do fundo. A discussão lembra, em certa medida, o que o STF teve de analisar ao enfrentar a paralisia do Fundo Clima (ADPF 708) e do Fundo Amazônia (ADO 59): a tensão entre o dever estatal de proteger o meio ambiente e as estruturas financeiras utilizadas para viabilizar essa proteção.

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Construiu-se uma engenharia fiduciária complexa que desloca o centro de gravidade da política florestal. Nesse arranjo, procurou-se preservar a fonte de alavancagem financeira da vulnerabilidade política. O Conselho do TFIF é formado exclusivamente por especialistas indicados pelos Países Soberanos Investidores, sem qualquer representação dos países florestais, e seu dever fiduciário primário é proteger aproximadamente US$ 100 bilhões em títulos seniores emitidos no mercado.

O TFFF tem uma arquitetura institucional composta por duas entidades integradas: a Facility e o Tropical Forest Investment Fund (TFIF). A Facility, estruturada como um FIF hospedado por um MDB — idealmente o Banco Mundial — não possui personalidade jurídica própria e exerce as funções de governança: define elegibilidade, fórmulas de pagamento, monitoramento, descontos por desmatamento, analisa a entrada de países, recebe dados anuais de cobertura florestal, calcula valores devidos e assegura que ao menos 20% cheguem às IPLCs. Conta com uma Secretaria no âmbito do MDB para apoio técnico, coordenação e transparência.

O TFIF, com personalidade jurídica própria, é o braço financeiro responsável por captar e gerir recursos, e tem a meta de mobilizar USD 25 bilhões em capital de patrocinadores e até USD 100 bilhões em dívida. Seus recursos são aplicados em portfólio global de renda fixa de longo prazo, diversificado entre países (TFCs e não-TFCs) e emissores públicos e privados, seguindo rígidas exclusões ambientais. As receitas seguem ordem fixa: serviço da dívida sênior, juros aos patrocinadores e, por último, repasse do excedente à Facility para pagamentos aos países. O arranjo combina governança internacional, captação privada em grande escala e repartição estruturada de benefícios.

A proposta (vide nota de rodapé 2) destaca uma convergência de crises — clima, biodiversidade, degradação dos solos, escassez de água e ameaças aos direitos de IPLCs —, cujo ponto central são as florestas tropicais. Esses biomas prestam serviços ecossistêmicos vitais: regulam o clima global, garantem chuvas e proteção hídrica, sustentam a agricultura, abrigam biodiversidade e mantêm valores culturais e de subsistência para comunidades tradicionais. No entanto, apesar de sua relevância, as florestas seguem subvalorizadas economicamente: atividades que promovem desmatamento têm retorno privado imediato, enquanto os serviços ecossistêmicos geram benefícios globais, difusos e sem preço de mercado adequado.

O financiamento atual se mostra insuficiente, marcado por doações instáveis e mecanismos como REDD+ e mercados de carbono, que não remuneram florestas intactas nem a totalidade dos serviços ecossistêmicos. Assim, a TFFF busca preencher essa lacuna por meio de um mecanismo amplo, previsível e duradouro, oferecendo pagamentos de longo prazo para a manutenção da floresta em pé, o que dará maior estímulo e segurança para um orçamento ambiental forte e estável.

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São estabelecidos princípios, como ampla transparência, pagamento por resultados, governança forte, sustentabilidade financeira e políticas de melhores práticas, além de critérios objetivos e rígidos para elegibilidade dos países e requisitos de ingresso no sistema. Há também a análise de riscos, elencando-se os principais pontos de vulnerabilidade, de modo a dar clareza e transparência.

Procura-se, como se vê, criar um instrumento que seja capaz de dar segurança jurídica aos financiadores e com isso fomentar os investimentos na preservação das florestas.

Há no entanto aspectos controversos, como permitir que a política ambiental deixe de ser estruturada pelo ordenamento interno e passe a ser governada por obrigações contratuais externas, tornando-a vulnerável de ser capturada por interesses privados.

As reações internacionais recentes evidenciam uma certa fragilidade estrutural do modelo. Alemanha e Reino Unido recuaram, indicando risco elevado de cenários em que “as florestas não recebam nada”.[3] A China recusou participação com base no princípio das responsabilidades comuns, porém diferenciadas.[4]

O TFFF depende de condições financeiras extremamente favoráveis: spreads elevados, custo de capital previsível, bom desempenho de títulos de mercados emergentes. Nada disso está garantido. E a estrutura do TFIF deixa claro onde recairá o impacto das oscilações de mercado: sobre países florestais e IPLCs, e não sobre os investidores.

Esse deslocamento do risco reflete questões que permearam as discussões realizadas nas audiências do STF sobre o Fundo Clima: sem desenho institucional robusto, a política ambiental permanece à mercê de contingenciamentos, descontinuidades e incertezas.[5] O problema não é a falta de recursos, como já foi observado nas análises sobre os fundos ambientais brasileiros; o problema é a qualidade da governança e a clareza das prioridades.

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As notícias mostram que o TFFF é a principal aposta brasileira para inaugurar uma nova arquitetura global de financiamento florestal, fortalecendo a cooperação Sul–Sul e valorizando financeiramente a preservação ambiental. É um instrumento sofisticado, financeiramente engenhoso e politicamente ambicioso, que busca resolver, por via contratual de natureza privada, a insuficiência crônica do financiamento ambiental público, marcado por contingenciamentos e dependente de múltiplas fontes, desde dotações orçamentárias até doações internacionais.[6]

Vê-se não ser simples estruturar instrumentos financeiros ambientais que combinem eficiência, legitimidade e segurança jurídica, e o TFFF surge como uma inovação e uma esperança, cujo sucesso dependerá de uma governança ambiental democrática, estável e constitucionalmente adequada.

[1] Mais de US$ 5,5 bilhões são anunciados para o Fundo Florestas Tropicais para Sempre, com 53 países endossando sua Declaração de Lançamento. Brasil, Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima, em 6.11.2025 ( https://www.gov.br/mma/pt-br/noticias/mais-de-us-5-5-bilhoes-sao-anunciados-para-o-fundo-florestas-tropicais-para-sempre-com-53-paises-endossando-sua-declaracao-de-lancamento).

[2] An innovative financing mechanism to incentivize long-term forest conservation at scale. Concept Note 3.0. BRASIL: Governo Federal, 2025.

[3] Alemanha achou arriscado investir em fundo de florestas de Lula. In Uol, 10.11.2025 (https://www.uol.com.br/ecoa/colunas/ana-carolina-amaral/2025/11/10/alemanha-achou-arriscado-investir-em-fundo-de-florestas-de-lula.htm).

[4] China não contribuirá em fundo florestal liderado pelo Brasil na COP30, dizem fontes. In Bloomberg Linea, 11.11.2025 (https://www.bloomberglinea.com.br/cop30/china-nao-contribuira-em-fundo-florestal-liderado-pelo-brasil-na-cop30-dizem-fontes/).

[5] CONTI, José Mauricio. Fundo Clima e Fundo Amazônia, in JOTA, 29.10.2020. (https://www.jota.info/opiniao-e-analise/colunas/coluna-fiscal/fundo-clima-e-fundo-amazonia).

[6] CONTI, José Mauricio. Direito financeiro e meio ambiente, in JOTA, 19.9.2019 (https://www.jota.info/opiniao-e-analise/colunas/coluna-fiscal/direito-financeiro-e-meio-ambiente).

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