A aprovação do Projeto de Lei 4932/2023 no Congresso Nacional é vista por reguladores e pelo mercado financeiro como uma medida de urgência para garantir maior segurança aos investidores de ativos digitais. O projeto, que tem como principal objetivo obrigar a segregação patrimonial, foi tema de um encontro na Casa JOTA nesta terça-feira (2/12), em Brasília, promovido pelo Estúdio JOTA em parceria com o Itaú.
O debate reuniu autoridades do Banco Central (BC), do Ministério da Fazenda e representantes do mercado para discutir a evolução do arcabouço regulatório que determina a separação legal entre os ativos custodiados dos clientes e o patrimônio das empresas que prestam serviços de ativos virtuais (PSAVs).
Vinicius Ratton Brandi, subsecretário de Reformas Microeconômicas e Regulação Financeira, lembrou que o debate sobre a regulação dos criptoativos no Brasil avançou significativamente com a promulgação da Lei 14.478, de dezembro de 2022. Ele comentou que na época da aprovação dessa lei, o Congresso optou por não incluir o comando de segregação patrimonial, com a expectativa de que o tema pudesse ser tratado posteriormente pela autoridade de regulação. Na sequência, o Decreto de junho de 2023 definiu o Banco Central como órgão responsável pela regulação, autorização e supervisão do segmento de PSAVs.
No entanto, como apontou, a ausência de um dispositivo legal específico cria uma lacuna na proteção do consumidor financeiro. “Olhamos a questão da segregação patrimonial com bastante preocupação pelo fato de não termos um dispositivo legal que dê reforço jurídico para essa situação em que a prestadora de serviço separa os ativos que são de propriedade da carteira proprietária dela com aqueles ativos que são de titularidade dos clientes. Estamos no final de 2025 com uma regulamentação já colocada, mas ainda não em vigor, tratando de todos os aspectos”, disse.
O chefe de Divisão no Departamento de Regulação do Banco Central, Nagel Paulino, afirmou que o PL 4932/2023 se tornou essencial após episódios críticos no mercado internacional, como o caso da FTX – uma plataforma de negociação de criptoativos que declarou falência em novembro de 2022. O colapso da exchange afetou os usuários da plataforma e levantou debates sobre segurança, regulação e transparência no setor. Separar os recursos nas corretoras é uma forma de proteção ao cliente, o que impediria ou reduziria os impactos negativos como no caso da FTX aos clientes. Por isso, o regime de afetação, segundo ele, é um tipo de blindagem robusto que precisa de atenção nos debates. “Passamos por uma série de diálogos com entidades e associações do mercado, fizemos três consultas públicas e, ao longo de todo esse processo, sempre tentamos salientar a importância de ter uma definição legal para o patrimônio de afetação, a partir do Código Civil, entre outros elementos”, afirmou.
Apesar de não ter a previsão legal, o BC buscou aplicar o máximo de blindagem possível no nível infralegal, como pontuou o coordenador do Departamento de Regulação do Sistema Financeiro do Banco Central, Pedro Nascimento. “Enfrentamos a falta dessa proteção, essa separação legal dos ativos dos investidores em relação à carteira geral da corretora. Mas podemos fazer uma segregação operacional e estabelecer regras no dia a dia da operação da instituição, para que ela mantenha separada os ativos dos seus investidores, dos seus clientes, e os ativos dos seus ativos próprios”, explicou ao relembrar as limitações regulatórias sobre a separação absoluta dos valores que vale, inclusive, no caso de liquidação ou falência da instituição.
A urgência de uma lei
O consenso entre os debatedores é que o texto atual da regulação do BC é bom, mas a segregação patrimonial precisa de reforço legal. Brandi ressaltou que a falta de um dispositivo legal causa preocupação. “O reforço de um comando legal dando condições e definindo como uma condição da operação daquela entidade essa segregação patrimonial, isso só vem reforçar a proteção, a segurança para o consumidor financeiro, para ele se sentir mais protegido, mais confortável em participar desse mercado”, disse.
O diretor da Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais (Anbima) e do Itaú Unibanco, Eric Altafim, classificou a aprovação como urgente, apontando riscos que vão além de casos extremos de fraude, como o da FTX. Ele alertou que, sem a lei, o risco se manifesta em eventos corriqueiros: “É possível ter um caso de falência que é um erro administrativo de uma gestão de negócio. A lei vai impedir que o dinheiro não segregado vá para algum credor”.
Na análise sobre o cenário internacional, Brandi observou que os mercados que têm a segregação patrimonial assegurada por lei conseguem resolver os episódios de crise ou situações de insolvência com mais facilidade. Ele ainda mencionou o modelo europeu como referência em caso de falência de corretora, por exemplo.
“Com a segregação patrimonial, haverá ativos virtuais custodiados por aquela corredora. Então é possível pegar os ativos e transferir para outra corretora. Sem esse respaldo legal, os ativos vão para o patrimônio da entidade e o investidor só vai recuperar após o pagamento de créditos trabalhistas e fiscais”, detalhou.
A aprovação do PL é vista como crucial não apenas para a segurança, mas para a competitividade do setor. Brandi explicou que a proteção do investidor traz benefícios ao mercado. “Ter uma proteção maior para o investidor reduz barreira de entrada desse mercado porque o investidor não precisa se preocupar com o grau de risco em caso de falência. Ter proteção assegurada por lei dá espaço para o mercado receber novos entrantes para maior competição e redução de custos.”
O consenso entre os participantes é que o texto do PL 4932/2023, que já passou pela Câmara e está no Senado, é o mais adequado e deve ser aprovado sem alterações, evitando-se o risco de o projeto ter que retornar à Câmara e prolongar o processo.
Altafim afirmou o endosso do mercado ao texto atual. “O projeto de lei que está no Senado hoje é o que queremos aprovar porque vai resolver, principalmente, essa dor de segregação patrimonial.”
O Banco Central tem prazo para iniciar os processos de autorização em 2 de fevereiro, o que torna a aprovação nos próximos dias ainda mais necessária para garantir previsibilidade às instituições. Nagel Paulino concluiu que há uma convergência clara entre reguladores e mercado sobre a importância e urgência da medida. Brandi confirmou o empenho do governo e reafirmou que o projeto deve ser aprovado nos próximos dias.
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