As reformas na Lei das S.A. e na Lei de Mercado de Capitais, incluindo a criação de entidades reguladoras à semelhança da SEC, mecanismos da governança e de enforcement de direitos minoritários, são soluções que objetivam induzir o crescimento do mercado de capitais.
Esse esforço levanta uma questão interessante, apesar de pouco discutida no direito, a respeito de qual seria o tamanho ótimo do mercado de capitais brasileiro. Qual nossa meta? Até onde o mercado deve expandir e a partir de que limite esse crescimento se tornaria desfuncional?
Uma abordagem inicial para a discussão sobre o tamanho ótimo do mercado de capitais está na relação entre o produto interno bruto (PIB) de cada país e o valor de mercado das empresas negociadas em suas bolsas. O PIB nominal equivale ao valor total de bens e serviços produzidos em um país em um ano, enquanto a capitalização de mercado (CP) é igual à soma do valor bursátil das empresas listadas, ou seja, o número de ações emitidas por companhias listadas vezes o seu valor de negociação.
Essa proporção foi apelidada de indicador Buffett pelo fato de ter sido popularizado pelo investidor Warren Buffett e é um elemento central para entender a dinâmica entre a economia real e o sistema de financiamento pela poupança pública. O indicador ganhou notoriedade após Buffett descrevê-lo como “provavelmente a melhor indicação sobre a posição dos preços das ações em um dado momento”.
Juntamente da quantidade de companhias listadas, esse indicador aponta o peso econômico do mercado acionário dentro da economia de um país. Quando está muito alto, o indicador sugere que o mercado está caro ou que o país tem um mercado de capitais muito desenvolvido. Quando está muito baixo, pode indicar mercado barato, pouco estruturado ou descontado por risco.
Para entender melhor como interpretar o indicador, é interessante olhar alguns países. O foco serão os países das vinte maiores economias do mundo em 2022, o G20, para evitar a entrada de centros financeiros, como Hong Kong, Suíça e Emirados Árabes, que apresentam índices desproporcionalmente altos em relação ao tamanho das suas economias. Primeiro, os dez primeiros países do G20 pelo indicador Buffett.[1]
Tabela 1: Capitalização de mercado sobre PIB dos 10 primeiros países do G20 (2022)
País
CP / % PIB
Posição
África do Sul
287.96
1
Arábia Saudita
212.95
2
Estados Unidos
154.95
3
Japão
126.23
4
Canadá
126.04
5
Índia
101.23
6
Reino Unido
99.42
7
Austrália
99.31
8
Coreia do Sul
98.24
9
China
62.62
10
Fonte: TheGlobalEconomy.com
Agora, os dez primeiros países do G20 pela quantidade de companhias listadas.[2]
Tabela 2: Quantidade de cias listas dos 10 primeiros países do G20 (2022)
País
Cias listadas
Posição
China
11497
1
Estados Unidos
4642
2
Canadá
4282
3
Japão
3865
4
Coreia do Sul
2446
5
Índia
2168
6
Austrália
1976
7
Reino Unido
1606
8
Indonésia
825
9
Turquia
463
10
Fonte: TheGlobalEconomy.com
Pontos que chamam atenção. Primeiro, com exceção do Reino Unido, a “oniausência” dos países europeus nas duas tabelas mostra o esgotamento das economias dessa parte do mundo.
Segundo, a aparição de diversos países do Brics nas duas tabelas, incluindo China, Índia, África do Sul, Indonésia e Arábia Saudita, indica o surgimento de novas forças econômicas. Três deles, apesar de enfrentarem problemas parecidos com o Brasil, têm índices altos. Terceiro, com exceção da China, todos os países apresentam índice Buffett próximo ou acima de 100%.
Quarto, com exceção da Turquia, todos os países possuem pelo menos 1.000 companhias listadas, com a China se destacando com mais de 11.000 empresas em bolsa. Por fim, o fato de o Brasil não ter entrado em nenhuma das duas tabelas. Na primeira lista, ele surge em 13o lugar com 40,7% e, na segunda, aparece em 12o lugar com 361 companhias.
Como interpretar esses números? Mercados com indicador muito elevado (entre 100 e 150%) estão associados a uma alta participação de empresas em setores intensivos em capital intelectual, grande capacidade de gerar valor (tecnologia e serviços escaláveis) e financiamento bancário com juros baixos. Por outro lado, indicadores elevados podem apontar a existência de bolhas: avaliações muito esticadas, riscos de correção severa para baixo e um possível excesso de otimismo, além de políticas monetárias expansionistas, como vimos ao longo dos últimos anos, em especial após o período da pandemia.
Já mercados com indicador médio ou baixo (entre 60 e 80%) podem apontar para oportunidades de compra, avaliações descontadas, percepções momentâneas de risco e mercados subavaliados. Por outro lado, indicadores baixos também estão associados a menor maturidade financeira, dependência de financiamento governamental, risco institucional elevado e, principalmente, grandes setores não listados, como agronegócio, mineração e empresas estatais. Os fundadores do Brics entram todos aqui, incluindo China.
A comparação direta entre países é sempre complexa e deve ser feita com cuidado, porque diferentes economias têm estruturas muito distintas de financiamento, internacionalização de vendas e composição setorial. Por exemplo, Estados Unidos, Reino Unido e Suíça têm empresas multinacionais, que geram grande parte das receitas fora do país. Assim, pode parecer que o mercado está caro, quando na verdade o PIB doméstico é um denominador artificialmente pequeno.
Já países emergentes frequentemente têm muitas empresas relevantes fora da bolsa e forte intervenção estatal no financiamento, o que reduz o numerador artificialmente e força a conversão para um indicador baixo, sem que isso necessariamente aponte para uma subavaliação das empresas listadas ou oportunidades de compra. Ou seja, o mercado pode parecer barato, mas eles pode embutir um risco institucional real.
Dito isso, falemos de Brasil. Há diversos fatores que justificam reformas voltadas para incentivar o crescimento na quantidade de companhias abertas. Países com mercados de capitais robustos geram acesso a financiamentos mais baratos, permitem maior participação popular no capital das empresas, socializando os ganhos do crescimento econômico, e facilitam investimentos em setores de elevada inovação e risco.
Apesar das vantagens, o Brasil perdeu 50 empresas listadas nos últimos cinco anos.[3] Com pouco mais de 350 companhias e um índice Buffett de 47%, a bolsa tem evidente espaço para crescer, o que significaria, pela comparação com seus pares do G20, duplicar a capitalização de mercado em relação ao PIB nominal e triplicar a quantidade de empresas de capital aberto.
Usualmente, as reformas na legislação societária são apresentadas como a solução para incentivar aberturas de capital. Essa foi a justificativa para a promulgação em 1976 da Lei das S.A. (objetivo frustrado, uma vez que o módico crescimento do mercado veio anos depois, por outras razões, em especial as privatizações) e, desde então, a Lei das S.A. foi reformada 18 vezes (15 leis federais, 2 medidas provisórias e 1 lei complementar), sempre com a justificativa de desenvolver a bolsa.
Na média, tivemos uma reforma a cada 30 meses de vigência, todas incapazes de produzir efeitos positivos na escala desejada. Essas reformas se tornaram o Sísifo do direito empresarial brasileiro, em que o cume nunca atingido é um mercado de capitais robusto, comprável a de outras economias de escala desenvolvidas. Esse fracasso advém do óbvio fato de que não é a legislação societária que atrapalha as aberturas de capital, mas sim nosso ambiente macroeconômico.
Uma taxa básica de juros muito elevada, a existência de linhas de crédito subsidiadas para setores estratégicos do mercado e a possibilidade de uso do sistema judiciário para escapar das dívidas financeiras (através, por exemplo, das recuperações judiciais) desviam empresas que poderiam abrir capital para outros canais de financiamento bancário. O tamanho reduzido da nossa bolsa é resultado desse equilíbrio.
Alterações nos mecanismos de governança na Lei das S.A. têm se mostrado irrelevantes para gerar os 600 novos IPOs e US$ 1 trilhão em investimentos de que precisamos. As reformas são, inclusive, contraditórias, pois ao mesmo tempo em que a lei é em geral elogiada pelos especialistas e agentes de mercado, seus supostos defeitos e lacunas são apresentados como responsáveis pelo atraso no desenvolvimento do mercado de capitais brasileiro.
Quando pensamos nos elevados custos (em especial de oportunidade) e no tempo consumidos em reformas, deveríamos ser mais estratégicos na escolha das medidas que vamos adotar. O objetivo de fortalecer aumentar as aberturas de capital não será atendido por alterações pontuais na lei. Ele será cumprido quando o governo fizer uma escolha firme e implementar uma política pública ampla, capaz de endereçar os verdadeiros pontos responsáveis pelo subdimensionamento de nossa bolsa.
[1] Dados do TheGlobalEconomy.com. Link: https://www.theglobaleconomy.com/rankings/Stock_market_capitalization/. Acesso em 24 de novembro de 2025. Os dados disponíveis vão até 2022.
[2] Dados do TheGlobalEconomy.com. Link: https://www.theglobaleconomy.com/rankings/Listed_companies/G20/. Acesso em 24 de novembro de 2025.
[3] Link: https://istoedinheiro.com.br/bolsa-brasileira-perde-50-empresas#:~:text=A%20B3%20perdeu%2048%20empresas,n%C3%BAmero%20j%C3%A1%20foi%20muito%20maior. Acesso em 25 de novembro de 2025.